Guilherme Bonfanti | Contato Improvisação

Contato Improvisação

Urdimento

Revista do Programa de Pós-Graduação em Teatro (PPGT). Centro de Artes (CEART). Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

Por Bruno Garrote M.

 

Contato Improvisação como uma Arte de viver

Resumo

A presente tradução é a continua- ção de um projeto de tradução, apoia- do e incentivado pela revista Urdimento, relativo a partes do doutorado Contato Improvisação como uma Arte de viver, de Jörg Schmid da Universidade Philipps de Marburgo. Essa é a quarta tradução, [parte 4], desse projeto, a qual foca na aten- ção plena (mindfullness ou Achtsamkeit), diferentes práticas de meditação, corre- latos neurobiológicos da atenção plena, diferenciação entre atenção plena dire- cionada e não-direcionada, atenção ple- na no contexto terapêutico, paradoxo da não-intencionalidade intencional, saú- de corporal e psíquica, repercussões da atenção plena no bem-estar subjetivo, atenção plena e o presente, desdobra- mentos de práticas meditativas no corpo durante a atividade e durante o dia-a-dia etc. Essa tradução pretende continuar contribuindo para o cenário da dança e dos estudos  performáticos,  mostrando a importância do Contato Improvisação (CI) como uma crescente e mundialmen- te disseminada forma de dança contem- porânea e pesquisa de movimento cor- poral, ainda pouco estudada no Brasil.

Palavras-chave: Contato improvisação; dança; performance; história.

 

 

NOTA DO TRADUTOR

Essa é a quarta tradução [parte 4] desse projeto de tradu- ção da tese de doutorado de Jörg Schmid pela Faculdade de Educação da Universidade Philipps de Marburgo, 2011; relativa às páginas 38 a 55 do texto original. A [parte 1] foi publicada na revista Urdimento, v.1, n.28, p. 302-322, Julho 2017. A [parte 2] foi publicada na revista Urdimento, v.2, n.29, p. 177-192, Outubro 2017. A [parte 3] foi publicada na revista Urdimento, v.3, n.30, p. 112-139, dezembro 2017. E a tese completa em alemão pode ser encontrada no seguinte link disponível gratuitamente pelo autor (em seu site pessoal) e pela universidade: http://joerg-lemmerschmid.de/index.php?id=6 – Acesso em: 19 dez. 2016.

 

Os [colchetes] ao longo desta tradução marcam as mani- festações e/ou as notas do tradutor no intuito de facilitar a lei- tura por meio de comentários ou trazendo termos em alemão, no original.

 

Tentou-se manter a disposição das imagens/figuras, tabe- las, separação de subtítulos etc. da maneira mais fiel possível ao texto original. Outrossim, não se alterou a numeração original dos títulos e subtítulos – deste modo, esse texto, ou suas ima- gens/figuras, não se inicia com o número “1”, uma vez que se trata de uma seção já no meio da tese.

 

Mesmo esta tese de doutorado tendo sido disponibilizada pública e gratuitamente pelo autor e pela universidade; por uma questão de cortesia, o tradutor consultou o autor Jörg Schmid sobre esta tradução para o português e ele entusiasmadamente apoiou esse projeto e afirmou não ter problema nenhum a res- peito de direitos autorais e de publicação desta tradução.

 

O formato de citação e referências bibliográficas foram mantidas assim como estavam no original alemão, no intuito de não alterar o estilo do autor e também por ser um formato claro, facilmente compreensível e semelhante à metodologia de pes- quisa acadêmica brasileira.

Boa leitura.

 

 

2.3. Atenção Plena3

“Se você permanecer aberto e atento e usar uma das técnicas para sempre ir melhorando o seu espírito, a sua negatividade gradualmente se evaporará. Você começa a se sentir bem consigo mesmo, você se sente, como se diz, ‘bem em sua pele’. Isso resulta em um relaxamento e em uma profunda serenidade. Eu consi- dero esta prática como a mais eficaz terapia e auto-cura”.

(Sogyal Rinpoche)

 

Em uma breve introdução ao uso do conceito de atenção plena, vários aspectos da atenção plena serão esclarecidos para uma compreensão mais profunda. Antes de considerar a atenção plena no contexto da qualidade de vida, seguirá uma descrição da sua aplicação em contextos psicoterapêuticos, assim como uma diferenciação dos mecanismos de ação subjacentes básicos. Por fim, as descobertas mais positivas sobre a atenção plena serão submetidas à uma reflexão crítica e resumidas.

 

Introdução ao conceito de atenção plena

O conceito de atenção plena originado da sabedoria oriental é geralmente des- crito na cultura ocidental como a consciência [Bewusstsein] e a atenção [Aufmerk- samkeit] diante da experiência presente. “Em uma visão budista, a atenção inclui uma série de dimensões não apenas cognitivas, mas também emocionais, sociais e éticas, nas quais ela está inserida e que vai muito além da divisão tradicional entre atenção e consciência da psicologia científica”, esclarece Paul Grossman, que introduziu estu- dos pioneiros em reflexões científicas sobre a atenção plena na Alemanha (ver Gros- smann, 2006, 71). Em sua opinião, muitos aspectos da psicologia budista são muito pouco considerados na tradição de pesquisa ocidental, como, p.ex., a intenção de cultivar a amabilidade, paciência, tolerância, gentileza e compaixão (ibid., 75). Em um grande número das propostas de definição científica ligeiramente diferentes entre  si são igualmente compreendidos como parte da atenção diferentes aspectos, tais como a abertura diante do novo, atenção para a diferença, sensibilidade para diferen- tes contextos e uma consciência de múltipla perspectivas em graus variados. O nú- cleo comum a todas as definições pode ser descrito da seguinte forma: atenção ple- na é uma imediata e contínua consciência sobre sensações corporais [körperlicher], percepções, estados afetivos [Affektzustände], pensamentos e ideias, sem, todavia, refletir sobre isso, procurar soluções ou, de qualquer modo, reagir imediatamente (ver Grossmann 2006 73).

Bishop et al. (2004) entendem que duas habilidades centrais estão na base dessa compreensão sobre a atenção. Por um lado, é necessária uma forma de auto-regu- lação e tendência para a atenção plena e, por outro lado, deve-se ter uma postura
[Atenção plena é a expressão que escolhi em português para traduzir o termo alemão Achtsamkeit. O sufixo –keit transforma, em alemão, um adjetivo em um substantivo; não somente tornando abstrato um adjetivo, mas também trazendo consigo uma ideia de “estado/capacidade/habilidade de…”. Assim como em português temos, por exemplo, funcional e funcionalidade ou fácil e facilidade etc; em alemão há o adjetivo achtsam, que pode ser traduzido como atento, e      o substantivo criado com o sufixo -keit, formando Achtsamkeit, ou seja, literalmente algo como “atencionalidade” “atentionalidade”. E, a saber, seria confuso e limitador traduzir simplesmente por “atenção”, uma vez que se costuma traduzir Aufmerksamkeit por atenção e isso seria problemático, pois esse termo também aparece bastante nesse texto. Por esse e outros motivos, optou-se por atenção plena, no intuito de já entrar em uma tendência internacional de se utilizar uma expressão e/ou termo próprio em cada língua para tentar designar essa ideia/conceito específico, que atualmente é muito difundido no termo inglês mindfulness.] 4 Rinpoche, S. (1995, Texto 2. Dezembro)

 

de aceitação e boa vontade [wohlwollende] diante da experiência momentânea (ver Bishop et al., 2004, 232). Após esta definição operacional, a atenção plena pode ser compreendida tanto como um processo metacognitivo, quanto como uma cognição sobre a cognição. O constante “fluxo” do próprio pensamento se torna o objeto de observação, sem se perder com isso a atenção plena para o momento presente. Isto significa que o pensamento e o impulso da ação são, inicialmente, apenas percebidos e desconectados em uma distância reflexiva de uma reação comportamental ime- diata. Uma metáfora adequada para a atenção plena é o engatar de uma marcha no carro. Mesmo quando o motor continua funcionando, ele está separado das marchas e a sua força não pode ser alterada em movimento. A postura fundamental de acei- tação também significa aceitar situações disconfortáveis assim como são, sem entrar em uma postura de resistência.

A seguir, vários aspectos da atenção plena serão descritos detalhadamente. En- tão, os processos cognitivos básicos subjacentes da atenção plena serão mostrados de forma diferenciada. Na sequência, entraremos na relação da consciência consigo mesma, a percepção da própria personalidade. Por consequência, formas básicas de meditação serão apresentadas enquanto práticas de atenção plena e colocadas em conexão com atuais resultados de pesquisas neurofisiológicas.

 

Atenção plena como consciência e como processo de atenção

A percepção da realidade está intimamente relacionada ao foco da nossa aten- ção. Somente aquilo que penetra na nossa consciência parece ser real. Todo o resto desaparece e é inexistente para o indivíduo no momento. O filósofo americano e pioneiro da psicologia moderna William James descrevia essa conexão já em 1890: “A realidade se manifesta através da nossa atenção” (James, 1958, 322). A atenção plena pode ser compreendida como uma forma aprimorada de consciência e como uma focalização da atenção. Aqui se descreve a conexão entre atenção (attention), consciência [Bewusstsein] (consciousness) e consciência [Bewusstheit] enquanto consciência de fundo [Gewahrsein)] (awareness) do seguinte modo: “Consciência [consciousness] engloba consciência de fundo [awareness] e atenção [attention]. A consciência de fundo é o ‘radar’ no plano de fundo da consciência, continuamente monitorando o ambiente interno e externo. Pode-se estar ciente dos estímulos sem que eles estejam no centro das atenções. A atenção [attention] é um processo de focalizar conscientemente a consciência de fundo, proporcionando uma maior sen- sibilidade a uma gama limitada de experiências” (Brown & Ryan 2003, 822). Quando os dançarinos de valsa conseguem manter, p.ex., a atenção para sustentar o ritmo de três quartos ou para uma sequência específica de passos, ao mesmo tempo em que subsiste uma consciência de fundo sobre a própria posição no espaço e também so- bre os outros casais de dançarinos.

A consciência pode, todavia, variar muito fortemente: individualmente e situa- cionalmente. Dentro da consciência desperta [Wachbewusstseins], há graduações, onde impressões sensoriais, sensações, sentimentos, pensamentos, bem como fenô- menos dentro de um campo, em cujo contexto elas ocorrem e são conscientemente percebidas. Os estados de consciência de fundo diferem um do outro em seu grau de alerta [Wachheit], como, p.ex.: coma, sono, estados intermediários de confusão, estado desperto e alta vigilância. Nesse contexto, atenção plena significa abrir a jane- la da percepção o máximo possível. Seguindo Edelman & Tonino (2000), Grossmann (2006, 82) descreve um modelo de conscientização com diferentes níveis de consciência. Começa-se com a percepção corporal de si [Selbst], que é, evolutivamente e também pensando no desenvolvimento psicológico, o primeiro nível da consciência. Aqui, incluem-se os componentes proprioceptivos, cinestésicos, somatossensoriais e outros tais como os vegetativos e autônomos do corpo. Com base nisso, o próximo nível mais elevado das percepções é o das próprias emoções enquanto reações a condições ambientais internas e externas. Emoções consistem em um complexo padrão de estímulos fisiológicos. O próximo nível envolve o uso consciente de me- mórias [Erinnerungen] não-verbais, imagens mentais e também uma diferenciação em diversas categorias de experiência. Este nível é reservado para os mamíferos mais desenvolvidos e é construído com base na aquisição de linguagem dos humanos. “Com a emergência de uma ordem superior de consciência surge ao mesmo tempo uma real subjetividade, cheia de forças narrativas e metafóricas, e com conceitos de si, bem como do passado e do futuro” (Edelman & Tonino 2000, citado por Grossman 2006, 83).

 

Uma consciência além da personalidade

De uma perspectiva budista, a percepção de si muda com o estado de consciência. “O conceito de um EU estável, de uma personalidade ou de um si é onipresente  na teoria psicológica ocidental e em sua aplicação. Na psicologia budista, no entanto,   a ideia de um si em grande parte imutável e claramente definido ou de um sentimento de identidade individual é vista como uma ilusão, surgida em um espírito [Geist]5 que não está acostumado a deixar prevalecer uma atenção atenta e não-valorativa [nich- t-wertende] de momento a momento” (Großmann 2006, 96). O objetivo da prática       da atenção plena espiritual é auto-superação, ou seja, a superação do egocentrismo    e do apego ao eu” [sic]6 (Anderssen-Reuster & Altner 2007, 53). Por meio de várias técnicas da prática de atenção plena, como, p.ex., a meditação sentada, pode ocorrer  a experiência de um outro estado, diferente da consciência cotidiana. Wallace (2008) fala da “consciência primordial”, referindo-se a um estado de colocar-se em repou-     so e de reconhecimento da “verdadeira natureza do espírito [Geist]” (Wallace, 2008, 206). Ele descreve esse estado da seguinte forma: “A compreensão do espaço abso- luto realizado no nível da experiência através da consciência primordial transcende todas as distinções entre sujeito e objeto, espírito e matéria, todas as palavras e con- ceitos” (Wallace 2008, 207). Tal visão é o “não-dual”, a “compreensão realizada sobre  a peculiar [wesensmässig] unidade do espaço absoluto e a consciência primordial”,
[No texto original existe essas aspas finais, mas não há o início dela. Resolvi manter como estava, por se tratar claramente de uma citação, apesar de não se [Muitas vezes se traduz Geist por mente. Todavia, mente traz a ideia de uma instância muito fisiológica, o que claramente seria limitador para a ideia que se está trabalhando aqui. Desse modo, decidi pela tradução “espírito”, por ser mais abrangente, porém entendendo que esse termo não deve fornecer asas à imaginação nem ser relacionado de forma redutora ao que se entende por “espiritismo” ou algo do tipo. Toda a discussão que poderia surgir aqui é justamente pela diferença do ocidente e oriente em tratar sobre questões da matéria e questões do espírito, diferenciações complicadas entre corpo e mente, e por todas as outras dualidades relacionadas a esse tema saber exatamente onde ela se inicia] vinda do nível da experiência (ibid. 207). Esse estado é denominado no zen-budismo de “vivência-satori”. Ele descreve “a vivência temporária da suspensão da oposição sujeito-objeto, a qual nunca se deixa ser completamente delimitada com palavras” (Heidenreich & Michalak 2006, 232).

 

No decorrer deste trabalho, os termos si [Selbst], personalidade e EU são usados da seguinte forma: O si é, como já explicado no capítulo do fluxo, a soma de todas as experiências, atitudes, valores e habilidades de uma pessoa. Essas também podem ser às vezes extremamente contraditórias. Dependendo do contexto, diferentes partes e aspectos do si podem se tornar conscientes. A personalidade é vista como uma tendência comportamental temporalmente duradoura para reagir a determinados estímulos e contextos. Mesmo que uma pessoa possa ter um humor depressivo em uma situação concreta, ela pode, todavia, ser muito aberta e feliz a partir de sua personalidade. Naquele momento, no entanto, essa pessoa pode estar consciente somente dos aspectos negativos de si. O EU é usado no sentido de Freud. É uma instância mediadora entre as necessidades situacionais, conscientes e pré-conscientes, e os impulsos comportamentais (em termos freudianos, o Isso [ES]), bem como entre os valores e as atitudes ancorados no si (em termos freudianos, o Super-Eu [Über-Ich]), que são conscientes na situação concreta e, portanto, também comportamental- mente efetivos [verhaltenswirksam]. Por último, é o EU que pode refletir sobre as de- cisões e encontrá-las conscientemente. O EU é, portanto, a sede da nossa vontade.

 

Tipos de prática de atenção plena e meditação

Pelo termo “meditação”, a maioria das pessoas imagina alguém sentado no chão com as pernas cruzadas sem se mover externamente. “Uma vez uma mulher idosa veio ao Buda e perguntou-lhe como meditar. Ele instruiu-a a tomar consciência de cada movimento de suas mãos, enquanto ela tirava água do poço; deste modo, ele sabia que se ela apenas prestasse atenção nisso, logo ela estaria nesse estado de re- pouso, alerta e aberto, que é a meditação” (Rinpoche, 1995, texto de 9 de novembro). De fato, existem realmente muitas formas diferentes de meditação. Sentar, caminhar e também formas de movimento como a dança podem fazer parte dela, e até mesmo canto ou práticas sexuais (Tantra). Essas formas de meditação diferenciam-se não somente em sua forma externa, mas também precisam ser diferenciadas em rela- ção ao tipo de atividade mental durante a meditação. Existem duas técnicas funda- mentalmente diferentes: “Um estilo, meditação de atenção focada, implica em focar voluntariamente a atenção em um objeto escolhido. O outro estilo, meditação de monitoramento aberto, envolve o monitoramento não reativo do conteúdo da expe- riência de momento a momento” (Lutz. et al. 2008, 163). Independentemente de se estar sentado parado ou em movimento, é preciso distinguir se a atenção está focada em um ponto ou uma atividade, ou se a atenção deve perceber, com todos os seus sentidos, o momento presente de forma expandida e livremente fluida, sem, com

 
[A tradução brasileira tradicional para os termos freudianos Ich, Es e Über-Ich seguiu a tradução cientifista norte-americana, o que resultou em termos latim como ego, id e super-ego, respectivamente. A meu ver (e também de outros pensadores), isso foge do objetivo inicial de Freud. Deste modo, estou trazendo a tradução mais originária e próxima do alemão para esses termos, que seria Eu, Isso e Super-Eu.]

 

 

isso, seguir um foco determinado. Paradoxalmente, na última forma de meditação, o foco está em não ter foco. Durante a meditação sentada, p.ex., pode-se concen- trar apenas nas sensações de uma pequena região abaixo do nariz. Nessa meditação focada devem ser observadas a mais sutil mudança de temperatura da pele, a passa- gem de ar da respiração ou mesmo a pulsação do batimento cardíaco nas veias. Esse tipo de atenção direcionada também pode ser deslocada pelo corpo. Na prática de atenção plena chamada “varredura corporal” [Body-Scan], os participantes devem se concentrar sucessivamente em diferentes partes do corpo e conscientemente ob- servar as suas sensações bem como as não-sensações. A atenção plena é, nesse tipo de meditação, o “observador interno”, que nota quando ocorre uma distração e que traz de volta a atenção para o objeto ou para a atividade focada. A segunda técnica cognitiva consiste em repousar toda a atenção não-direcionada na percepção de todas as impressões sensoriais do presente. De momento a momento, devem ser observadas todas as sensações alteradas do corpo, processos mentais e eventos do espaço circundante, sem examiná-los ou reagir a eles. Uma típica instrução para isso consiste em observar todos os pensamentos e percepções como nuvens passageiras, sem querer segurá-las ou alterá-las.

 

Correlatos neurobiológicos da atenção plena

Cada vez mais trabalhos empíricos relatam as conexões entre parâmetros neu- robiológicos e estados alterados de consciência por meio da meditação. “Enquanto um enorme progresso tem sido feito para identificar correlatos neurais da consciên- cia, aspectos cruciais ainda são muito controversos” (Raffone et al., 2009, 161). Acima de tudo, a comparação direta das muitas novas descobertas é problemática, pois, além de diferentes instrumentos de medição para a registro da atenção plena, tam- bém são usados diferentes métodos de meditação (ver Heidenreich et al., 2007, 211). Muitos estudos examinaram e confirmaram a importância central do córtex pré-fron- tal para a prática da atenção plena. Assim como já mencionado na apresentação das descobertas neurofisiológicos para a vivência-do-fluxo [Flow-Erleben], trata-se aqui de uma região cerebral responsável pelo controle voluntário da ação [willentliche Handlungssteuerung] e pelo direcionamento consciente da atenção [bewusste Auf- merksamkeitslenkung]. As descobertas ainda parcialmente contraditórias são atribuí- das, por Lutz et al. (2008), às diferentes formas de direcionamento da atenção duran- te a meditação. Quando a atividade cerebral é medida em uma forma de meditação não-direcionada, observa-se apenas uma baixa atividade nas regiões pré-frontais. As regiões do córtex sensorial, que são responsáveis pela percepção sensorial, mostra- ram, em contrapartida, uma maior atividade. Se a pessoa que medita consegue abrir sua atenção de uma maneira não-direcionada para a experiência de todos os senti- dos, então não é mais necessário nenhum direcionamento voluntário da atenção (ver Lutz et al., 2008, 164f). O padrão de ativação neuronal descrito assemelha-se ao do estado de fluxo, que também leva à regulação reduzida [Downregulation] do córtex pré-frontal, bem como ao aumento da ativação no córtex sensorial (Goldberg, Harel & Malach 2006, 337). ). Nas pesquisas atuais, no entanto, não existem estudos que comparem diretamente os estados de consciência da vivência-do-fluxo [Flow-Erle-ben] e da atenção plena [Achtsamkeit] um com o outro.

 

 

No tipo de meditação com a atenção focada, há um claro aumento na atividade do córtex pré-frontal. Em monges-zen com uma extensa experiência de meditação, de mais de 44.000 horas, mostrou-se, porém, um efeito oposto de uma regulação reduzida [Downregulation]. Isso foi explicado pelos autores no sentido de que esses monges não precisam mais de um esforço voluntário para se focar em um objeto. Atingir esse nível de consciência é referido na psicologia budista como “Samadhi” e é a capacidade do espírito de manter direcionado o foco ininterruptamente em um objeto (ver Wallace, 2008, 184).

 

Uso do conceito de atenção plena no decorrer do trabalho

Baseado nos resultados da pesquisa neurofisiológica de Lutz et al. (2008), pos- tula-se que não existem apenas dois tipos de prática de atenção plena, mas que é necessário distinguir também entre duas formas diferentes de atenção plena em si. De um lado, por meio de uma voluntária focalização da atenção surge uma atenção plena para a atividade presente. Isso pode ser, na meditação, uma intensa observação de uma parte do corpo ou, p.ex., da respiração. Essa “atenção plena direcionada” é baseada em uma ação consciente como, p.e.x, ao comer ou enxaguar. A segunda forma de atenção plena será referida daqui em diante como “atenção plena não-di- recionada”, que inclui uma percepção consciente de todas as impressões sensoriais, bem como todos os pensamentos, sentimentos e impulsos de ação, sem reagir ime- diatamente a eles. A atenção plena não-direcionada corresponde a um observador interno com uma atitude de aceitação. Aqui a atenção não está limitada a uma ativi- dade determinada ou a um fragmento da janela da percepção. Ela repousa comple- tamente e não-intencionalmente [absichtslos] no presente.

 

 

Atenção plena no contexto terapêutico

A seguir, a aplicação das técnicas de atenção plena será considerada dentro de um contexto terapêutico. Para isso, diferentes abordagens e diferentes processos de medição da atenção plena serão apresentados.

 

 

O paradoxo da não-intencionalidade intencional

A maioria das aplicações psicoterapêuticas esforçam-se consistentemente para fortalecer o EU, melhorar a auto-estima e, assim, também aumentar a qualidade de vida. Os objetivos são, portanto, geralmente muito específicos. Na psicologia budista, no entanto, essa dimensão individual é eliminada. Os exercícios de meditação têm um caráter universal e não psicoterapêutico. A meditação é um caminho que deve levar à iluminação, a um despertar. O caminho espiritual é sobre desenvolver uma percepção aguçada, tornar-se plenamente consciente das próprias experiências e “libertar-se das amarras dos desejos e aversões” (Großmann 2006, 97). Enquanto o centro de gravidade dos métodos de terapia ocidentais residiu por um longo tem- po quase exclusivamente na modificação do comportamento, emoção, cognição ou sintomas (corporais); nas abordagens baseadas em atenção plena enfatiza-se forte- mente o princípio da aceitação (ver Heidenreich & Michalak 2003, 267). Muitas vezes pensa-se que no contexto de uma terapia o terapeuta elimina ou pelo menos ajuda a resolver os problemas do paciente. Em contrapartida a isso, há na atenção plena uma aceitação do presente. Isso não significa que tudo é denominado como bom, mas apenas que, em um primeiro passo, a situação atual é totalmente percebida, sem desaparecer em âmbitos individuais ou ser pensado “Isso não pode ser verdade!”. Existe uma dialética entre modificação e aceitação. Aceitar as coisas como elas são é visto como um pré-requisito para que elas possam se modificar. Essa atitude interna de não-intencionalidade intencional é ainda mais paradoxal dentro de um sistema de saúde que financia apenas terapias baseadas em evidências, que precisam produzir grandes efeitos no menor tempo possível.

 

 

Abordagens terapêuticas baseadas em atenção plena

O biólogo americano e médico Jon Kabat-Zinn deu os primeiros passos, no fi- nal da década de 70, para aplicar o conceito de atenção plena em ambientes psi- coterapêuticos, por meio de seu treinamento-em-redução-de-estresse baseado em atenção plena (MBSR)8. Atualmente, há um grande número de estudos randomiza- dos demonstrando a eficácia de terapias baseadas em atenção plena (ver Bishop et al., 2004, 230ff). As seguintes terapias baseiam-se em atenção plena ou pelo menos contêm módulos individuais que pretendem ter uma conexão e um apoio [nela]: no tratamento de transtornos de personalidade limítrofe, a “psicoterapia behaviorista dialética” (DBT) foi usada com sucesso por Linehan (1996). Os pacientes aprendem, por meio do aprendizado em atenção plena, a aumentar o seu controle de impulsos e, assim, p.ex., refrear comportamentos auto-destrutivos. Também se mostrou eficaz a “terapia de aceitação e comprometimento” (ACT) para os transtornos de ansiedade generalizada (ver Hayes & Smit de 2006, Luoma et al. 2009). A particularidade dessa abordagem terapêutica consiste em, além do aprendizado em atenção plena, antes de tudo em enfatizar a importância de valores para uma orientação comportamental: “valores são direções de vida escolhidos” (Hayes & Smith de 2006, 150). Os pacientes são encorajados a se tornarem conscientes de seus valores e a vivê-los com base em uma atitude atenta, apesar das barreiras que aparecem (cf. Heidenreich e Michalak 2006, 237). Em distúrbios de dor, a já mencionada “redução de estresse baseada em atenção plena” (MBSR) foi comprovada (ver Kabat-Zinn 1991) e em doenças depressi- vas a “terapia cognitiva baseada em atenção plena” (MBCT), de Segal, Williams e Teas- dale (2008). Acima de tudo, essas abordagens focam no aprendizado em percepção corporal como uma âncora do presente, no intuito de reconhecer sinais de estresse e sintomas depressivos em um estágio inicial e reagir apropriadamente a eles. Para um resumo das diferentes abordagens terapêuticas, veja Michalak, Heidenreich e Bohus (2006, 242ff). Nyklíček, van Son e Pouwer (2010, 613ff) fornecem uma visão geral de meta-análises recentes sobre estudos de eficácia de métodos individuais.

 

Os métodos descritos acima podem ser classificados principalmente no contex- to das terapias comportamentais. Eles se caracterizam por meio de definições operacionais claras e instrumentos de medição derivados deles, que serão brevemente apresentados abaixo.

 

 

Medição empírica da atenção plena

Métodos de medição adequados são um pré-requisito importante não apenas para a avaliação de abordagens terapêuticas baseadas em atenção plena, mas tam- bém para a pesquisa geral desse estado de consciência. Para a medição empírica da atenção plena há uma série de questionários amplamente validados, dos quais quatro dos métodos mais usados serão brevemente apresentados aqui. Esses são: a Mindful Attention Awareness Scale (MAAS), de Brown & Ryan (2003), a Toronto Mindfulness Scale (TMS), de Bishop, publicada em Lau et al. (2006), o Kentucky Inventory of Min- dfulness Skills (KIMS), de Baer, Smith & Allen (2004), e o Freiburger Fragebogen zur Achtsamkeit (FFA), de Walach et al. (2006). O MAAS mede o quão fortemente uma pessoa, no sentido de traços da personalidade, tende a direcionar a sua atenção para o momento presente. A TMS, por outro lado, captura a atenção em vez do estado atual. Ela foi desenvolvida principalmente para poder demonstrar os efeitos da prá- tica de meditação. O KIMS tenta capturar os diferentes aspectos da atenção plena em subescalas individuais. Em sua construção, ele se orientou principalmente pela abordagem terapêutica baseada na atenção plena de Linehan (DBT). No presente tra- balho, decidiu-se usar o FFA. Este instrumento de medição de língua alemã foi cons- truído em uma referência explícita à raiz budista do conceito de atenção plena (ver Walach 2006, 727ff). Uma descrição mais detalhada deste instrumento é fornecida na parte de métodos. Para uma introdução mais abrangente aos diagnósticos gerais da atenção plena, ver Michalak, Heidenreich & Bohus (2006, 246ff).

 

 

Princípios ativos da atenção plena

A seguir serão descritos os mecanismos subjacentes à atenção plena que pos- suem um efeito terapêutico. Isso inclui, antes de tudo, a referência ao presente, o aumento da força de vontade e, portanto, também uma alterada interação de senti- mentos e impulsos de ação, a sensação corporal consciente e, por último, uma atitude interna especial de atenção plena e aceitação do terapeuta.

 

Em contato com o presente

Atenção plena ajuda a desativar o chamado “modo piloto automático” e a inter- romper estados de ponderação, medos e hábitos comportamentais não-saudáveis. A atenção plena possibilita o libertação de irrefletidas amarras de antigos padrões de comportamento e de vida. Isso é feito pelo distanciamento das próprias memó- rias, sentimentos e juízos de valor, de modo que, apesar dos conteúdos mentais do presente serem trazidos para a consciência [Kenntnis], eles são ao mesmo tempo re- conhecidos apenas como uma das muitas interpretações possíveis da realidade. Eles não são idênticos à realidade. O critério decisivo aqui é a referência ao presente. A “ponderação” sobre o passado designada como ruminação, a preocupação com o futuro, ou simplesmente também sonhar acordado são, nesse sentido, atitudes do espírito “não-atentas” [unachtsame], porque elas atrapalham e distorcem a percepção de experiências no presente. O reconhecimento consciente desses processos, que geralmente ocorrem automaticamente, e o distanciamento ativo em relação a eles possibilita a libertação de uma direcionada busca [getriebenen Such] por experiências positivas e por uma rejeição de experiências negativas. Estar atento significa, semelhantemente à vivência-do-fluxo, permanecer com toda sua atenção no presente.

 

 

Lidando com sentimentos e força de vontade

Evitar a percepção e as brigas com as emoções problemáticas pode levar a estratégias de enfrentamento disfuncionais e, assim, a sintomas frustantes [belasten- den]. “A capacidade do paciente de reconhecer e suportar as emoções problemáticas e diferenciá-las em um caráter adaptativo ou inadaptativo contribui significativamen- te para a saúde psíquica. É por isso que o desenvolvimento de uma percepção atenta para as emoções e para a aceitação delas é um componente central de qualquer psicoterapia” (Lammers de 2006, 292). Para uma ação atenta, contrária aos impulsos emocionais atuais, necessita-se de certa força de vontade. Um exemplo disso seria a ruptura de um ciclo de sintomas depressivos. Isso pode ser representado assim: humor negativo leva a um comportamento de isolamento [Rückzugsverhalten], mais isolamento leva à falta de experiências positivas e isso, novamente, leva ao fortale- cimento da sintomática depressiva. Neste contexto, por meio da atenção plena, po- de-se cultivar a capacidade de demostrar comportamentos não correspondentes ao humor atual, que podem, porém, a longo prazo mostrar um efeito positivo. No cha- mado “aumento de atividades positivas” [positiven Aktivitätenaufbau], os pacientes devem, p.ex., caminhar, ir ao cinema ou dançar, mesmo que eles não sintam nenhu- ma vontade de fazê-lo (ver Margraf 2000, 127). Para isso, é preciso força de vontade para superar a falta de vontade [Unlust] e realizar, mesmo assim, o comportamento. Mesmo sem poder provar isso com estudos empíricos, pode-se supor que a prática de meditação treina essa habilidade. Na meditação sentada, p.ex., concentra-se vo- luntariamente em algo e, apesar do surgimento, p.ex., de uma coceira ou mesmo de uma dor intensa, deve-se resistir contra os impulsos por meio da força de vontade.

 

 

O corpo como âncora do presente

O primeiro fundamento da atenção plena é o corpo. A percepção conscientedo corpo, ou seja, das sensações corporais serve como âncora de orientação para o presente. Ela forma a base para a atenção plena direcionada continuamente para as sensações e estados do espírito [Geisteszustände] (pensamentos). Estes são muito mais difíceis de observar sem se perder neles (ver Bookheld e Walach 2006, 32f).

 

 

Abordagens de terapia corporal também colocam em uso o efeito do aprendi- zado em atenção plena. Ron Kurtz, o fundador da Terapia Hakomi, integrou, já nos anos 60, ideias budistas em seu método terapêutico de psicologia profunda. Aqui, ele fala de “atenção plena interna” e salienta a importância da atenção plena direcionada para dentro do corpo, no intuito de tornar acessível para o processo psicoterapêutico o material não-consciente. “Esta abordagem revela a possibilidade em si de apaziguar o desejo [Sehnsucht] dos pacientes por um contato direto com o mundo e consigo mesmo” (Wurll 2007, 69).

 

 

Uma atitude atenta promove a percepção e o cumprimento das próprias neces- sidades e pode, assim, ser eficaz, por exemplo, na prevenção do esgotamento [Burnout]. No esgotamento, a carga de trabalho ultrapassa as reservas de energia do cor- po, mas, em vez de ouvir os sinais do corpo e fazer pausas relaxantes, os pacientes do esgotamento tendem a continuar sobrecarregando a si mesmos. (Harrer ver. 2008, 6).

 

 

A atitude atenta do terapeuta

Carl Rogers, o fundador da psicoterapia centrada na pessoa, estava convencido de que revelar determinas atitudes, que ele chamou de “variáveis centrais do encontro humano”, iria incentivar um processo de crescimento nos seres humanos. Esta força orientada para o desenvolvimento foi denominada por ele de tendência à auto-atua- lização (cf. Bundschuh 2006, 1). Wurll (2007, 69) descreve essas variáveis centrais no sentido de uma atitude terapêutica consciente, da seguinte forma: primeiro, trata-se de estabelecer um espaço seguro que encorage a reflexão e a investigação do “mun- do interno”. Para isso, é necessária uma atitude de aceitação e não-julgamento diante de tudo que emergir. O terapeuta continua convidando para uma observação atenta, em vez de querer mudar algo.

 

 

Segundo Heidenreich e Michalak (2006, 232), também existem paralelos entre o conceito de atenção plena e a atitude psicanalítica de “atenção flutuante” [gleich schwebenden Aufmerksamkeit]. Análogo a isso, encontram-se também claros para- lelos em abordagens humanistas como, p.ex., o princípio da “presença” na terapia Gestalt (Perls 2002) e no “Focusing”, de Gendlin (1981).

 

 

Atenção plena e a importância do sentir

Um novo aspecto e essencial desenvolvimento da psicoterapia centrada na pes- soa foi introduzido por Eugene Gendlin, colega de trabalho de longa data de Rogers. Ele apontou para a importância da vivência (Experiencing) corporal sentida no pre- sente. “Quando os clientes recorrerem diretamente ao sentir do momento, ao incerto [Unklaren], para o qual não há nenhuma palavra ou imagem, isso é um passo decisivo para uma mudança terapêutica” (Bundschuh-Müller, 2006, 3). O senso corporal de uma situação (Felt Sense) é o tipo e o modo como o corpo experiencia o momento presente. O senso sentido [Felt Sense] está sempre ligado ao presente enquanto uma vivência integral. Por meio da sua consciente capacidade de sentir [bewusstes Ers- püren], ele pode representar uma importante ajuda de orientação para os processos de desenvolvimento e de tomada de decisão (veja ibid).

 

 

Sentir, no contexto da atenção plena, significa também realmente se entregar às suas percepções sensoriais. Na terapia eutimia, “a pequena escola do prazer”, de Lutz (2000), são apresentadas, p.ex., regras de prazer que correspondem diretamente aos princípios da atenção plena. Estes seriam, p.ex.: “prazer leva tempo” ou “prazer não ocorre por acaso” (ver Lutz 2000, 447ff). Em um comer atento, o foco de atenção repousa no “saborear”. Há, no entanto, também uma consciência sobre quando apa- rece o sentimento de saciedade, e sobre quanto foi consumido no total (ver Brown & Ryan 2003, 823).

 

 

Correlações com a qualidade de vida

A seguir, será descrita a saúde corporal e psíquica em correlação com a prática da atenção plena. Posteriormente, em vista da questão central deste presente traba- lho, entrar-se-á especialmente no bem-estar subjetivo.

 

 

Saúde corporal e psíquica

O aprendizado e a prática da atenção plena mostra, mesmo fora de contextos clínicos, um efeito positivo na qualidade de vida. Assim pôde mostrar Ayan (2007) em estudos de correlação: uma elevada atenção plena anda junto com um aumentado sentimento de autoeficácia. Junto da atenção plena aumenta a convicção de poder influciar ativamente o próprio destino e não se ver como vítima de circunstâncias incontroláveis. Isso está relacionado a uma maior auto-estima e uma melhor auto-a- ceitação das pessoas (ver Ayan 2007, 82ff).

 

 

Mück-Weymann (2007) fornece um panorama dos efeitos positivos da medi- tação regular na saúde corporal e em comportamentos saudáveis. Em comparação direta com pessoas sem uma prática regular de atenção plena, foram registradas quase 60% menos hospitalizações. Além disso, grupos de meditação mostraram um comportamento de consumo significativamente menor de café (25%), nicotina (45%), álcool e drogas (30%) (ver Mück- Weyman. 2007, 188).

 

 

Atenção plena e bem-estar subjetivo

Em um estudo muito citado, de Brown e Ryan (2003), foram mostradas corre- lações negativas de atenção plena com escalas de depressão (BDI de Beck, 1993) e também com a escala de sensações negativas [Affekt-Skala] da PANAS (Watson et al., 1988). Correlações positivas foram encontradas na satisfação cognitiva com a vida (SWLS, de por Diener et al., 1985) e na escala de sensações positivas da PANAS (ver Brown & Ryan 2003, 829). Na maioria dos estudos de atenção plena, apenas inteiros programas de terapia são avaliados quanto à eficácia. Brown e Ryan (2003), no entanto, puderam demonstrar, usando a escala MAAS desenvolvida por eles, que o me- lhoramento do SWB [bem-estar subjetivo] realmente pode ser remetido à mudança do modelo de atenção plena (Brown e Ryan 2003, 840ff). Em um estudo posterior, Brown et al. (2009) pesquisarem até que ponto a atenção plena afeta a satisfação financeira dos funcionários. Os participantes foram questionados sobre quanto ga- nhavam e sobre quanto gostariam de ganhar. Aqui, mostrou-se que essa discrepância era tanto menor, quanto mais atento [achtsamer] era o entrevistado. Os autores interpretaram os seus resultados do seguinte modo: “Atenção plena promove a percepção de ter o suficiente” (Brown et al 2009, 727). Atenção plena promove um con- tentamento e aceitação da situação atual, o que leva a uma avaliação mais positiva do bem-estar subjetivo.

 

 

Em um estudo com uma linha de raciocínio muito semelhante, as correlações entre atenção plena, prática de meditação, consciência ambiental [Umweltverhal- ten] e SWB foram investigadas. Em uma amostra de 829 participantes do estudo, ficou muito claro que a atenção plena e a tamanho da prática de meditação estão significativamente relacionados à consciência ambiental sustentável e ao bem-estar subjetivo. Aqui, os autores também viram evidência para o pressuposto do princípio de atenção plena de que a percepção consciente acerca de sentimentos e circuns- tâncias desagradáveis (como, p.ex., a destruição ambiental) não conduz necessaria- mente a uma menor satisfação com a vida (ver Jacob et al. 2009, 275ff).

 

 

Em resumo, é possível afirmar que a atenção plena tem um efeito positivo com- provado na qualidade de vida percebida subjetivamente, não apenas no contexto terapeutico, mas também na vida cotidiana.

 

 

Reflexão crítica sobre a atenção plena

Assim como na vivência-do-fluxo, uma representação positiva unilateral da (pesquisa sobre) atenção plena gera a uma legítima pergunta, sobre a existência de pontos críticos.

 

 

Atenção plena enquanto conceito desenraizado

Para a integração da atenção plena nas formas ocidentais de psicoterapia, ela foi removida do seu contexto espiritual-religioso original e foi mais ou menos iso- lada, rearranjada e praticada. Como já foi descrito, a atenção plena em seu núcleo essencial não se encaixa em um sistema de saúde constantemente orientado para eficácia e eficiência. “A integração da atenção plena e da aceitação no sistema de saúde requer, portanto, muita sensibilidade, caso não se deseje dobrar e distorcer o núcleo central desses princípios” (Michalak et al., 2006, 249). Assim se expressam or- ganizações como, p.ex., a Associação Vipassana, a qual se vê na tradição dos ensina- mentos de sabedoria budistas, de forma completamente crítica diante das tentativas de pesquisas terapêuticas que retiram a atenção plena do seu contexto originário e a ensinam como um módulo singular.9

 

 

Grupos-alvo e contra-indicações da prática de atenção plena

Uma outra consideração crítica aponta para o perigo de proclamar a atenção plena como uma panacéia para tudo e todos. Bishop (2002) sugeriu que terapias ba- seadas em atenção plena só seriam eficazes para um subgrupo de pacientes, e que os efeitos significativos poderiam ser devidos a processos de expectativa. “É bem possível que a eficácia desta abordagem tenha mais a ver com o tipo de pessoas que são atraídas por ela do que com a abordagem em si” (Bishop 2002, 76). A prática da atenção plena não é para todo mundo, nem é o método correto para todas as situações da vida. Ela não é adequada como um modo terapêutico obrigatório, mas, sim, deveria ser praticada voluntariamente. No entanto, entender os efeitos positivos das formas de terapias baseadas em atenção plena como efeitos-placebo parece bastante improvável em vista dos mencionados estudos de avaliação, controlados e randomizados.

 

 

“Uma prática de atenção plena séria requer perseverança, confiança, paciência e um nível não irrelevante de capacidade para sofrer” (Anderssen-Reuster 2007, 59). A principal tarefa do terapeuta de atenção plena consiste em fortalecer a disposição de seus clientes em querer lidar com sua realidade e com todo o sofrimento contido nela. Na terapia de trauma, entretanto, supõe-se que o mecanismo de supressão de nossa psique, como, por exemplo, a perda de memória após experiências dramáticas, é principalmente colocada como uma função de proteção. Na prática da atenção plena, vêem repetidamente à superfície, apesar do foco específico para o presente, conteúdos da consciência que são reprimidos no cotidiano. Assim, um rápido con- fronto com memórias de trauma em pessoas que ainda não foram suficientemente estabilizadas poderia levar a uma nova traumatização (ver Foa et al., 1999, 107ff).

 

 

De acordo com Fiedler (2006), métodos baseados em atenção plena possuem limites claros: exercícios de atenção plena são insuficientes em muitos casos; eles são, segundo sua opinião, às vezes até mesmo obstáculos. Enraizado o transtorno depressivo, p.ex., em uma situação de vida difícil como, p.ex., uma separação ou quando uma pessoa foi vítima de um ato violento, então a tentativa de aceitação sem julgamentos poderia até mesmo agravar a crise psicológica. Fiedler pede, portanto, cautela: uma atitude “tudo está bom como está” não deveria substituir uma direcio- nada conversa terapêutica em situações de crise (ver Fiedler 2006, 269).

 

 

Resumo sobre a atenção plena e referências para o questionário

A atenção plena foi descrita como uma habilidade meta-cognitiva, que foca a própria atenção para o momento presente e, com isso, observa os próprios pensamen- tos, sentimentos e impulsos de ação com boa vontade e com aceitação [wohlwollend und akzeptierend], sem reagir imediatamente. Isso não significa, todavia, que tudo deva, ao mesmo tempo, ser chamado de bom.

 

 

A atitude de atenção plena possiblita agir conscientemente também em ex- periências e dificuldades desagradáveis, guiada por valores e objetivos, bem como apoiada em uma elevada força de vontade. O efeito terapêutico da atenção plena foi atribuído, tanto no contexto clínico quanto no cotidiano, à capacidade de distanciar-se da própria vivência sem, com isso, p.ex., restringir a percepção de todos os sinais corporais ou das informações de um contexto.

 

 

Em um reflexão mais precisa sobre a meditação como uma prática de atenção plena, foi diferenciada entre a meditação focada em um objeto ou em atividade, e   a meditação não-direcionada e aberta. Enquanto na primeira forma é buscada uma intenção como, p.ex., observar com precisão as sensações de uma determinada região do corpo; na segunda técnica de meditação a janela da atenção é aberta para todas as percepções e somente é buscada uma intenção de não-intencionalidade.

 

 

Por meio dessa prática, pode-se chegar em uma dissolução da consciência-do-eu e, portanto, em um estado transpessoal de consciência.

 

 

Apesar dos pontos de crítica apresentados, os efeitos positivos da atenção plena na qualidade de vida subjetiva não podem ser negados. A atenção plena oferece a possibilidade de um comportamento consciente, de modo que o bem-estar subje- tivo possa ser maximizado. “Atenção plena pode ser vista como uma forma de vida com transições para o tradicional conceito de arte de viver, que compreende a con- cepção consciente da existência como uma forma de arte” (Altner 2007, p 155f). A capacidade de trazer atenção e espaço para o estado interno, e levá-los em conside- ração também nos momentos de pequenas e grandes decisões do cotidiano, é uma importante base para se configurar um estilo de vida único e harmonioso [individuell stimmigen].

 

 

Como conclusão do capítulo “pano de fundo teórico” será apresentado, agora, a forma de dança Contato Improvisação.

 

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