Guilherme Bonfanti | Cenografia da Sombra

Cenografia da Sombra

Introdução

E  faça -se a sombra!…

A ideia dessa pesquisa surgiu durante minha participação no 5º FITA FLORIPA– Festival Internacional de Teatro Animação. Durante o evento, fiquei responsável por ser o intérprete do grupo WHS – Ville Walo e Kalle hakkarainen (Finlândia). Em consequência disso, tive que fazer a intermediação entre o grupo e os técnicos do teatro para poder realizar a montagem do espetáculo keskusteluja. Como até então, eu nunca havia me envolvido com a área da técnica, realizar a tradução foi uma tarefa difícil, já que a linguagem técnica pode ser considerada um outro “idioma” digamos assim. Todavia, fui obrigado a aprender algumas nomenclaturas, elementos e equipamentos técnicos: foi desse modo que travei meu primeiro contato mais aprofundado com a área da iluminação teatral.

 

Passei, a seguir, a dedicar-me a esse TCC – Trabalho de Conclusão de Curso, como formando em Licenciatura e Bacharelado em Teatro do Departamento de Artes Cênicas (DAC) do Centro de Artes (CEART) da Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC). Dando início à pesquisa propriamente dita, me deparei com os screens de Edward Gordon Craig (1872-1966) nos esboços cenográficos desenhados por ele e publicados no livro El arte del Teatro (Craig, 1995). Ao observar suas anotações, prestei atenção à ênfase colocada na iluminação do espaço teatral: Craig utiliza o jogo de luz e sombras intimamente vinculado às estruturas cenográficas. Após observar as imagens e os apontamentos de Craig, me veio a ideia de reproduzir, a partir de suas propostas, uma cenografia que fosse composta por três elementos: luz, cenário e sombras. Atento para o fato de que uma cenografia sempre é composta por estes três elementos. O que desejo colocar em prática, porém, é a situação na qual cada elemento está a serviço do outro e vice-versa, sem o domínio de um elemento sobre o outro.

 

Segundo Edgar Ceballos, Edward Gordon Craig nasceu em Stevenage, Inglaterra, em 1872. Filho de Edward Williams Godwin e Ellen Terry, desde pequeno já parecia destinado a trabalhar com o teatro: aos seis anos realizava sua estreia nos palcos. Estudou desenho e xilografia. Estreou como diretor em 1893. Como suas ideias rompiam com o conservadorismo de seu tempo, encontrou muitas dificuldades para colocar em prática suas teorias.

 

Saiu da Inglaterra para tentar melhor aceitação de seus projetos. Contudo, suas primeiras experiências não deram muitos frutos, pois, para a época, elas se afastavam muito das concepções realistas. Em 1905, lançou seu primeiro livro, que acabou por se tornar uma obra de referência para a vanguarda teatral europeia. No mesmo ano, travou seu primeiro contato com a bailarina Isadora Duncan (1877-1927), com quem se casaria mais tarde. Ela o apresentou a Eleonora Duse (1858-1924), atriz que já havia rejeitado alguns esboços de cenas e figurinos de Craig. Entretanto, após algumas insistências de Duncan, Duse aceitou que Craig criasse os cenários para o espetáculo Rosmersholm, um drama de Henrik Ibsen (1828-1906). Essa cenografia teve repercussão crítica positiva.

 

Depois disso, Craig realizou vários esboços cenográficos e montou vários cenários em montagens da obra de William Shakespeare (1564-1616), dentre outras; e investigou obras teatrais com suas xilografias, dentre as quais, Hamlet recebeu uma atenção maior. Faleceu em 1966, aos 94 anos.

 

Observando seus esboços, é possível perceber sua preocupação com a integração de todos os elementos da cena. Craig busca uma cenografia com a qual possa criar um ambiente que crie sentidos, para além de apenas ser observado. Seus cenários de grande porte exploram a luz e a sombra. No intuito de criar uma atmosfera ímpar  que  não revele seu potencial semiótico na íntegra, mas ainda mantenha a sua grandiosidade, Craig explora as sombras produzidas por imensas colunas cenográficas. Para explorar os sentidos do enigma teatral, ele utiliza uma iluminação forte que marca sombras nítidas no espaço a fim de criar contrastes e destaques na cena.

 

Com o intuito de trabalhar as potencialidades oferecidas pelo conjunto que compõe o espaço teatral, Craig inventou os screens, que tinham como fundamento os elementos da luz, da cenografia e das sombras. Do modo como ele os utilizou, um não pode prescindir do outro: a sombra resultante da incidência da luz sobre qualquer elemento sólido da cenografia acaba por estabelecer-se como elemento significativo da cena; e vice-versa, os jogos entre luz e sombra afetam o cenário não como efeito aleatório, mas controlado.

 

A partir das ideias e dos desenhos de Craig, realizei experimentos laboratoriais para explorar o jogo entre a tríade que conforma a plasticidade e a visualidade da cena teatral: luz, sombra e cenário, com o desejo de testar os ambientes criados pela modulação dos ângulos de incidência da luz e da sombra em cenários fixos. Vale ressaltar que, ao me referir a cenários fixos, proponho não uma cenografia imóvel, mas uma cenografia cujos elementos alterados espacialmente se unam ao jogo da iluminação para modificar o ambiente no espaço cênico.

 

Para isso, foram utilizados biombos pretos com medidas de 2 metros e 50 centímetros de altura por 1 metro de largura. Eles foram dispostos no espaço- laboratório, a Sala Espaço 1 do Bloco das Artes Cênicas do CEART-UDESC.

 

Uma vez definidas as posições dos painéis, a exploração dos jogos de luz e sombra em sua incidência sobre o cenário permitiu observar uma série de imagens resultantes com as quais foi criado um conjunto. Esse arquivo composto por várias fotografias de cena serviu de matéria-prima para investigar as relações entre luz, sombra e cenário.

 

Em suma, em paralelo ao trabalho prático pretendo levantar questionamentos sobre o elemento luz: como ela é vista e considerada? Quais os seus fundamentos? O que é, de fato, a luz? Parto da premissa de que a luz pode ser pensada para além do espectro luminoso visível, e a partir dessa premissa se desenvolverá uma das reflexões dessa pesquisa.

 

Após adquirir o interesse e a gana de estudar mais sobre o universo da iluminação me deparei, em primeiro lugar, com um empecilho que surgiu logo de início: a escassez de material para pesquisar a iluminação teatral. No Brasil, existem poucos estudos nesta área.

 

Dando início ao levantamento de referencial teórico para a investigação notei, em segundo lugar, que o elemento “sombra” aparece na pesquisa quase sempre como teatro de sombras: a sombra é utilizada como silhueta, em formas mínimas que aproveitam a sombra para as formas animadas. Contudo, a relação da sombra com a cena, da sombra com a luz e da sombra com a cenografia encontra-se pouco estudada. Além disso, é comum na iluminação de um espetáculo se procurar remover a sombra da cena, de cada recanto: se algum espaço é ocupado por sombras, isto é primeiramente entendido como falha da iluminação.

 

A sombra faz par com a luz; mesmo assim, são raros os estudos que relacionem os dois elementos dentro do âmbito teatral. Mais difícil ainda será encontrar material que relacione a luz, a sombra e a cenografia. Os cenários teatrais são compostos por elementos materiais e sólidos que contrastam com os elementos não materiais  da sombra e da luz.

 

A cenografia, porém, acaba por abarcar a todos. Segundo Roberto Gil Camargo, estes são elementos interdependentes:

A relação entre luz e cena constitui um processo de trocas e de complementação recíproca. A luz afeta a cena, que, por sua vez,  afeta a luz, produzindo um diálogo incessante, um acordo de mudanças e adaptações ininterruptas, à medida que uma se põe diante da outra. São dois processos vinculados, indissociáveis, em estado de codepêndencia. (Camargo, 2012, p. 29)

 

Instigado a explorar os três elementos e suas relações, pensei em produzir e registrar um experimento laboratorial que os utilize em constante sincronia. Esta investigação prática foi exposta à consulta das propostas cenográficas de Edward Gordon Craig com a intenção de aproveitar um elemento sempre presente nos estudos deste artista e que comumente passa despercebido: as sombras atuando dentro do espaço cênico.

 

Proponho com o presente trabalho uma reflexão que discuta a sombra no teatro sem referir-me ao teatro de sombras. Procuro a sombra representativa em conjunto com a luz e o cenário. Que esta não surja apenas como uma sombra que resulta do desejo de bem iluminar um espaço, mas sim, uma sombra “proposital”, uma sombra cenográfica, uma sombra interpretativa. Uma sombra que ilumine e que esconda (já que, ao controlar esta, posso decidir o que será iluminado ou o que será escondido). Uma sombra que se destaque e destaque a cena teatral.

 

Cenografia (Luz + Cenário = Sombras)

Espaço em evidência: amplos locais para o rito, arenas suscetíveis ás interferências do tempo, tempo este que pode ser climático, a simples passagem do instante ou tempo que nos apresenta a sua passagem através das formas (naturais ou artificiais). A qualquer instante ocupamos um espaço, independentemente do que estejamos fazendo e de onde estamos. Nesse exato momento estamos ocupando um espaço.

 

Para realizar uma peça é necessário um espaço. Friso que não entro no quesito espaço apropriado ou não, mas simplesmente o ato de ocuparmos um espaço que, nas primeiras intervenções da história teatral era aberto, sem construção de um local especificamente para o uso da cena. É com o advento das formas de iluminação que o evento teatral pôde passar dos espaços abertos para espaços fechados ou de baixa luminosidade.

 

Com o passar do tempo, foram criados locais específicos para a realização de encenações, casas fechadas para abrigar ao público. O teatro confinou-se a espaços lacrados no qual a sociedade se misturava. Peças eram feitas para salas de teatro específicas, salas de teatro eram feitas para peças específicas. De fora pra dentro, de dentro pra fora, foi assim que o espaço teatral se transformou. Com o advento das performances, o uso do espaço aberto retornou em peso. O uso de espaços alternativos passou a predominar e as peças adaptadas aos espaços de instalações predominam.

 

Dentro dessa mudança do espaço de fazer teatral, há um fator responsável por uma determinada parcela da transformação: a luz. Mas, qual a importância extrema da luz? O que faz dela um elemento indispensável?

 

A luz que oculta

Começo pela simples observação de que sem a luz não vemos nada. Logo, sem a luz, seja natural ou artificial, não somos capazes de captar de forma visível o que está ao nosso redor. Sobre esta percepção, recorro a uma definição de Camargo sobre o que é luz e o que vemos:

A luz é o que é: luz. São raios luminosos que incidem na córnea, atingem a retina e transmitem informações
aos fotorreceptores que convertem a intensidade e a cor em impulsos nervosos
que chegam ao cérebro e produzem a percepção da imagem. (Ibidem, p. 56)

 

 

A luz é quem nos permite poder observar o que está ao nosso redor: sem ela, entramos em plena escuridão, nas trevas.

Observamos o afã do homem em conseguir (re)produzir a luz, em conseguir dominá-la. Remontamos, para isso, à pré-história quando o homem teve seu primeiro contato com o fogo devido a consequências naturais, mas ao observar suas qualidades, procurou o domínio do fogo, o poder de criá-lo, de manipulá-lo, de transportá-lo. O  fogo foi uma das chaves para a transformação da humanidade com luz, calor e energia.

 

Depois, acompanhamos as mudanças das formas e meios de iluminação, de (re)produzir a luz, o calor, a energia. Primeiro descobriu-se como fazer a luz, no caso, o fogo. Em seguida, procurou-se por elementos que mantivessem a luz acessa por mais tempo, utilizando diversas fontes de combustão: madeira, azeite, gordura, óleos vegetais, sebo de carneiro, parafinas, ceras, até chegar ao gás, que propiciou um avanço no uso da luz, possibilitando um maior domínio das fontes. O avanço nas descobertas dos meios combustíveis foi responsável por transformar a luz.

 

Com o surgimento do aparato de iluminação no século XVI, no período da Renascença, no teatro se modificou o modo de pensar a cena. Primeiramente, foi possível ver dentro de um espaço fechado, além da possibilidade de se iluminar uma peça em espaço aberto sem a luz do sol. Segundo, porque surgiu a possibilidade de se trabalhar com os efeitos de luz em cena, focos, cores, intensidades. (neste quesito, trabalhar com uma vela tem uma intensidade diferente do que outro elemento, ou seja, com os avanços dos aparatos luminotécnicos, um material em relação ao outro produz uma mudança de intensidade, de cor, sem precisar necessariamente dimerizar a fonte através de uma mesa de luz)

 

A luz deixa de ser apenas um elemento utilitário, um elemento para simplesmente clarear. Ela passa a ser usada como elemento de decoração: a luz entra no campo da estética, a qual passa a ser responsável por vezes direta e outras indiretamente pelos resultados finais da construção de um projeto arquitetônico ou teatral. Através do jogo dos ângulos se passa a permitir diferentes percepções; ou seja, dependendo do ângulo em que a luz é pensada junto com as estruturas físicas pode-se obter diferentes percepções de um ambiente, as quais podem ir variando com a diferenciação do ângulo de incidência da luz, (re)modelando o mesmo ambiente que, dessa forma, adquire um aspecto diferente.

 

A luz influencia todos os espaços e não apenas os espaços do meio teatral. A afirmação seguinte, pois, não se restringe apenas ao visual da cena, mas alcança tudo  que temos ao nosso redor: “A luz traz informações que mudam a aparência visual da cena, alterando as estratégias de percepção, assim como as mudanças dos componentes visuais alteram a percepção da luz.” (Ibidem, p. 59)

 

O jogo entre a estrutura arquitetônica e a luz pode ser bem observado nos estudos, projetos e realizações de Edward Gordon Craig, renomado por suas cenografias ousadas que, com proporções gigantescas, apresentava a essência do espetáculo em poucos traços. De forma limpa e imponente. Craig trabalhou em seus projetos os resultados da luz junto à cenografia. Não devemos deixar de considerar que a luz é parte constituinte da cena: ela irá interferir diretamente em nosso campo de visão, naquilo que, da cenografia, vamos poder focar com nossa visão; assim como naquilo que será discretamente oculto à nossa percepção.

 

Ao mesmo tempo em que luz é “visão”, ela também significa, dentro desta percepção, escuridão ou ausência de luminosidade. Analisando o espetáculo Procurando Schubert, Helena Katz escreve:

O escuro não é aquilo que desaparece quando a luz se faz. Deixa de ser um recurso de iluminação para ficar parecido com o ar; está em toda parte e, sem ele, aquele mundo simplesmente não existe. […] Nesse mundo, a luz pertence à escuridão e nela se dá a ver. A escuridão pertence à luz e nela se dá a ver. (Katz in Camargo, 2012, p. 48)

 

 

O que permite desenvolver essa ideia?

Partindo da ênfase que se deseja em alguma cena do espetáculo em um determinado espaço do palco, joga-se um foco de luz no local. Assim contido, este só terá efeito para a visão do público quando existir um contraste com o espaço iluminado ao redor da cena que se deseja destacar. Logo, só vai ser possível conseguir mais luminosidade em uma cena quando o seu entorno tiver menos luminosidade. Desta forma, percebe-se que para trabalhar com a luz, ou com seu espectro, deve-se também ter domínio sobre a ausência, parcial ou total, de luz. Tenho como parâmetro a  percepção do olho humano, a escuridão dentro da percepção humana, já que outros seres são capazes de perceber a luz no seu estado infra-vermelho ou ultra-violeta.

 

Abrem-se as cortinas do palco em pleno blackout1, e no instante seguinte é ligado um foco de luz direcionado somente para o centro do proscênio, deixando o seu entorno entre a penumbra e o breu. Contudo, esse foco só aparece devido à penumbra e o breu formado em seu entorno: se estes também se encontrassem iluminados em mesma intensidade que o foco desejado não haveria destaque, este foco seria anulado, não destacaria absolutamente nada, ou seja, seria destituído de seu objetivo inicial: destacar uma parte do palco e/ou da cena.

 

Portanto, minha pesquisa com a luz parte da percepção de que os constituintes  da luz não são apenas os espectros luminosos, mas também a ausência total e/ou parcial de luminosidade.

 

Antes de entrar de fato no estudo realizado e criar um diálogo com as screens de Craig, deixo aqui outra breve reflexão sobre a ausência de luz.

 

Essa ausência impede a observação do entorno. Por outro lado, a luz total – a reflexão total dos raios luminosos sem variação de luminosidade ou intensidade dos raios luminosos – cria uma imagem totalmente iluminada e ao mesmo tempo reflexiva. O excesso de luz faz com os olhos fiquem de certa forma cegados: resultamos incapazes de observar qualquer coisa pelo reflexo total. Quando alguém joga um foco de luz em nossa direção, nos impede de observar qualquer elemento. Logo, só percebemos a luz porque captamos também sua ausência e a variação de luminosidade. Se não existisse a ausência de luminosidade ou variação de luz sobre os objetos, estaríamos cegos pelo excesso de luz.

 

Uma utilização deste recurso pode ser visto no blackout, normalmente utilizado no início de uma apresentação em salas de teatro: todas as luzes do palco estão apagadas, de forma que não se consiga ver o que se encontra nele. Contudo, existe outra possibilidade para se conseguir um resultado similar: esconder o palco colocando a frente dele, voltada para o público, uma linha de refletores de forma que o excesso de luz em direção à visão do público impeça que se consigam ver além do ponto em que as luzes foram posicionadas.

 

Quantos atores já não passaram pela experiência de não conseguir observar a plateia, pois a iluminação frontal impedia que conseguissem distinguir qualquer coisa à sua frente? Logo, tanto a ausência de luz como o seu excesso podem impedir a visibilidade. Sem entrar na questão de o quanto se pode ferir ou agredir a visão do espectador, a mesma luz que permite ver também pode impedir, perturbar a visão, ou seja, causar efeito contrário.

 

Clarezas de Edward Gordon Craig

Esta pesquisa retoma algumas ideias de Craig a fim de fundamentar o processo laboratorial que será exposto mais a frente.

 

Sob a luz intensa dos equipamentos de luz, somos capazes de observar os elementos presentes no palco. Como consequência da incidência da luz sobre a matéria física temos a sombra, cujas potencialidades são muitas vezes pouco exploradas na  cena. Craig, porém, soube trabalhar a junção entre os elementos: luz, cenografia e sombras: “La escena y la luz – como he dicho -, son igual que dos bailarines o dos cantantes en perfecto acorde entre ellos” 2 (Craig, 1995, p. 397). Adiciono a esse comentário a observação de Camargo que reafirma a união entre luz e cena: “luz e cena atuam conjuntamente e não de modo separado. Uma se dá a ver e se completa através da outra. Sem a luz, a cena não pode ser vista, e sem a cena, na sua materialidade, não há reflexos nem sombras” (Camargo, 2012, p. 29)

 

Estas duas observações embasam a reflexão sobre luz e suas diferentes intensidades luminosas: sem os reflexos e as sombras, a luz não seria perceptível aos nossos olhos. Da “luz absoluta”, como já dito, a luminosidade homogênea torna impossível distinguir nuances e transforma a imagem em massa homogênea de claridade extrema. Edward Gordon Craig, porém, deu atenção à ausência de luminosidade em alguns pontos da cena. Trabalhou estes espaços ausentes de luminosidade como elemento da dramaturgia.

 

A sombra pode ser equiparada ao silêncio. Contrastando som-silêncio e luz- sombra, o silêncio pode ser considerado como integrante da fala em cena, como elemento auditivo de cena. O silêncio, em sua função dramatúrgica, pode ser mais “audível” que o próprio ruído. Criando um paralelo com a luz e a sombra, a luz equivale ao som e a sombra à sua pausa, ao silêncio. Ao lermos um texto, percebemos o seu tempo, suas nuances, suas pausas através das marcações e códigos. As pausas fornecem, por sua vez, sentido e coerência às palavras faladas na cena. No tocante à luz, a sombra ou a ausência de luz realiza as pausas que irão dar sentido à luz da cena.

 

Craig mostra que estas “pausas” permitem as mudanças no espaço. Através da utilização de luz e de seus ângulos no espaço, podemos modificar o espaço e seu significado sem necessariamente modificar suas estruturas sólidas,  mudando unicamente os ângulos, a intensidade luminosa da luz, o tempo desta, e consequentemente sua resultante: a sombra. Deste modo é possível obter diversas leituras de um mesmo ambiente trabalhando com a luz e suas “pausas”, por assim dizer.

 

A modificação do espaço utilizando um mesmo cenário e modificando apenas ângulos de luz e sombras é possível de ser percebida através do esboço de uma  escadaria desenhado por Craig.

 

Projeto.cdr

 

 

 

Imagem 1.
Esboço de Edward Gordon Craig

 

 

Na Imagem 1 percebe-se que as modificações no espaço e no ambiente se dão pelo jogo de luzes e sombras. Neste jogo entre luz e sombra, nota-se a preocupação de Craig tanto com a parte iluminada quanto com a parte não iluminada, a parte das sombras. A sombra possibilita o mistério da cena, ela auxilia o diálogo entre o segredo e o descoberto. Os esboços realizados por Craig mostram a busca desse mistério e atendem às formas barrocas nas quais não é possível absorver as imagens por completo: quando vemos uma parte da imagem, há também sua outra parte oculta que cria a sensação de suspense e enigma.

 

Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) destaca outra qualidade que surge da relação entre luz e sombra: a percepção. A relação entre os dois elementos produz efeitos sobre o olho humano que provocam entendimentos distintos de uma mesma imagem. As formas luminosas modificam e iludem o modo de perceber as coisas. Segundo Goethe, em sua Doutrina das Cores,

Um objeto escuro parece menor que um claro do mesmo tamanho. Observando simultaneamente de certa distância um círculo branco sobre um fundo preto e um preto sobre um fundo branco, ambos do mesmo diâmetro, temos a impressão que o último é um quinto menor que o primeiro. Se a imagem preta for aumentada nessa proporção, elas parecerão iguais. (Goethe, 1996, p. 54).

 

Transferindo as formas pretas e brancas à ideia de sombra e luz, podemos concluir que trabalhar com a sombra traz a potencialidade de modificar a imagem que irá chegar ao espectador sem, no entanto, modificar os elementos sólidos da cena. Trabalhando unicamente com o deslocamento e o posicionamento dos refletores de luz se pode modificar as sombras e alterar, desse modo, a percepção de um cenário pré- estabelecido. Junto a essa percepção, temos outros dois fatores que são de suma importância para poder modificar este espaço: o movimento e a intensidade da luz.

 

Ressalto que o movimento não é simplesmente o deslocamento de um elemento material para outro local, mas sim as mudanças, as passagens de uma luz para outra. Esta mudança pode ser brusca ou suave, pode se dar por vários elementos ao mesmo tempo, ou um por vez. A luz simplesmente não acontece, ela “vai” até a cena, ela se desloca de um ponto a outro, até alcançar seu objetivo, ela tem uma curva de ação.

 

Também responsável por este movimento, está a intensidade, que é uma capacidade de extrema utilidade e relevância. Um facho de luz de baixa intensidade abrange uma determinada área, logo, aumentar a intensidade desse mesmo facho, faz com que o espaço abrangido aumente, assim, pode-se visualizar o movimento de abertura ou fechamento de um facho luminoso. Outra questão em relação à intensidade, está no fato de que ela modifica o que deve ser visto na cena. A pouca luminosidade em determinado local, pode permitir que vejamos parte do todo, e sejamos induzidos a imaginar em como ele se completa. A intensidade é também o contraste entre a luz e a sombra, na qual a baixa luminosidade em determinado ponto é que permitirá destaque a um outro ponto também iluminado.

 

Craig mostra sistematicamente as alterações da luz, sombra e espaço em seus esboços. Através da modificação da posição da luz, a cena se modifica e, consequentemente, a expressão do ambiente também se modifica. Por fim, os elementos que recebem em sua superfície a luz se modificam. Segundo Craig,

Tal escena además tiene un rostro (yo la llamo así), un rostro expressivo. Su superfície recibe la luz y, según la luz cambia de posición, cumple otras transformaciones y la escena misma varía sus posiciones – la luz e la escena se mueven en concierto como un dueto y ejecutan unas figuras como en la danza -, su rostro expressa toda emoción que deseo hacerle expresar. Siempre consciente que, como fondo el drama tiene la representación, tiene que desempeñar su próprio papel de manera discreta, aunque de vez en cuando puede hacerse hacia adelante e representar un papel más importante (espero ser suficientemente artista como para entender cúando es  el momento). (Craig, 1995, p. 385)

 

O historiador da arte suíço Heinrich Wölfflin (1864-1945) se concentra na seguinte imagem de uma fusão que ocorre no período barroco: uma roda, ao mesmo tempo em que nos fornece uma parte do objeto em observação, nos retira outra, deixando suas bordas difusas. Cada parte do objeto é independente; contudo, só vai significar junto com a parte retirada.

O que o Barroco apresenta de novo não é, portanto, a unificação de um modo geral, e sim aquele conceito de unidade absoluta, no qual a parte, enquanto valor independente, é absorvida em grau maior ou menor pelo todo. Já não se trata da fusão de formas belas num todo harmônico onde as partes continuam a ter vida própria, e sim da submissão dessas mesmas partes a um motivo geral predominante, de sorte que elas somente ganham sentido e significado na medida em que participam conjuntamente do efeito global. (Wölfflin, 2000, p. 253)

 

Essa definição é compreensiva e extensiva aos elementos de luz, sombras e cenário considerados em conjunto: um independe do outro, mas se fecham, todos juntos, numa espécie de círculo de significação.

 

O estudo desses elementos se faz, na maioria dos casos, tomando-os individualmente. Mas, um é dependente do outro. O cenógrafo e o iluminador de um espetáculo, mais do que considerar sua tarefa em separado, devem levar em conta o material com que o outro está trabalhando. Quando o diálogo entre as áreas é escasso, pode produzir incompatibilidade entre os elementos na cena.

 

Considerando estes apontamentos e observações, concluo que CENOGRAFIA (LUZ+CENÁRIO=SOMBRAS), onde: a luz torna possível observar a cena e o cenário; o cenário dá forma ao ambiente e ao espaço em que se realiza o espetáculo e suas  formas sólidas recebem a incidência da luz; e a sombra resultante da incidência da luz sobre os elementos físicos e materiais torna possível o diálogo entre luz e cenário.

 

Da cena e seus elementos visuais

Não é da fragmentação que se faz a cena: nela, tudo atua em uníssono. Mas, essa pesquisa necessita fragmentar a cena com o intuito de desenvolver seus elementos. Ao fragmentar a cena, procuro em cada parte seus componentes, seus elementos e atento para o que concerne a cenografia, tentando percorrer desde o espaço total ao vazio total em uma determinada área da cena.

 

Se retomarmos a origem da palavra “cenografia”, se percebe que a cena está imersa dentro da própria cenografia: basta apenas destrinchar a palavra como o faz  Anna Mantovani:

O termo cenografia (skenographie, que é composto de skené, cena, e graphein, escrever, desenhar, pintar, colorir) se encontra nos textos gregos – A poética, de Aristóteles, por exemplo. Servia para designar certos embelezamentos da skené. Posteriormente é encontrado nos textos em latim (De architectura, de Vitrúvio): scenographia. Era usado provavelmente para definir no desenho uma noção de profundidade. No Renascimento os textos de Vitrúvio foram traduzidos, e o termo cenografia passou a ser usado para designar os traços em perspectiva e notadamente os traços em perspectiva do cenário no espetáculo teatral. (Mantovani, 1989, p. 13)

 

Cenário, iluminação e sombras são elementos inseridos na cenografia: o graphein remete a escrever, desenhar, pintar, colorir. Com o cenário, é possível desenhar a cena, com a iluminação podemos colorir a cena e as sombras, em contraste com as demais, pinta a cena. Estas atribuições podem, além disso, não só podem como variam entre si, a luz também desenha, pinta, como os demais elementos. Antes, porém, da cenografia compor a cena, é a cena que compõe a cenografia. A cenografia, em momentos da história, esteve submissa à cena, apenas um elemento de sua composição. Para agravar o panorama, a cenografia destrinchada, separada dos demais elementos da cena, se vê transformada em um conjunto de meros objetos na cena.

Mas isso não acontece nas propostas de Craig.

 

Escolhas cenográficas

Ao observar os screens de Craig, percebemos rapidamente uma de suas marcas: as grandes colunas cenográficas. Elas mantêm o peso da cena, são literalmente seus pilares: carregam em si as tensões criadas no espaço com a função de dissipar e ao mesmo tempo concentrar as forças da cena. Os esboços de Craig mostram que o centro de tensão da cena se perde em meio ao abismo criado pelos pilares, mas é este mesmo abismo que eleva a cena e expõe seus conflitos.

 

Com sua geometria, os pilares atacam com linhas precisas que fornecem rigidez às imagens. Contudo, por serem grandiosos, eles distribuem a rigidez entre eles, proporcionando à cena propriamente dita uma suavidade precisa. São pilares sem adornos ou enfeites; sua magnitude por si só exprimem significados e significantes. Craig valoriza, portanto, não o detalhamento dos componentes da cena em si, mas o poder de síntese e de submergir o espectador dentro do ambiente. Os pilares não são apenas elementos arquitetônicos que dão forma a cena, mas, além disso, elementos cuja pertença ao conjunto da cena desenvolve a capacidade de expressar sensações, sentimentos e tensões. Eles dialogam com a cena.

 

Além dos pilares, os esboços de Craig são repletos de imensos paredões e escadarias largas. Eles ressaltam o contraste da figura do ator inserido dentro num grande espaço, intimidam a figura no espaço dado. Há, também, complexidade no momento da confecção do espaço cenográfico. Grandes pilares, escadarias imensas e espaços abismais exigem uma estrutura de espaço tanto quanto recursos para poder realizar-se. Em vista disso, busquei um cenário que se enquadrasse na pesquisa laboratorial e fosse viável.

 

Considerando as limitações de recursos, surgiram algumas propostas até chegar à definitiva. Para conseguir o efeito de grandes pilastras, cogitei construir grandes painéis de papelão que cobrissem o espaço do teto ao chão. Essa alternativa se manteve por um tempo, mas mostrou-se inviável, pois o seu transporte, o tempo de montagem e desmontagem não permitiriam concretizar o trabalho.

 

Outra alternativa similar à primeira foi a de utilizar grandes pedaços de tecidos que recobrissem o espaço do teto ao chão. Contudo, foi descartada devido ao alto custo de um tecido que não deixasse transparecer a luz.

 

Ao pensar nas estruturas de Craig, retornei a um de seus princípios o qual foi fundamental para poder construir o cenário: a síntese. É verdade que a grandiosidade dos elementos criados por Craig causam um impacto visual; contudo, seu poder está além deste impacto: na capacidade de significação das estruturas sem serem descritivas, mas com efeito sensorial. Seu aspecto mantém, com linearidade, solidez e rigidez dos elementos a não aderência – ou seja, formas lisas e sem ranhuras – que carrega em si as tensões da cena.

 

Foi definido então, o uso de quatro biombos pretos de madeira (1 metro x 2 metros) e dois praticáveis de compensado naval, com ajuste pantográfico(1 metro x 2 metros, também) que, se colocados frente a frente com as estruturas idealizadas por Craig, certamente não iriam corresponder às dimensões grandiosas. Todavia, seus princípios e fundamentos pareciam poder simular o poder expressivo das imagens de Craig.

 

Conseguir os elementos materiais para construir o cenário é apenas uma parte do processo. Pois, um elemento do cenário só pode ser disposto no local desejado depois  de pensá-lo em conjunto com os outros elementos aqui pesquisados: iluminação e sombras. Ao decidir que um biombo vai ficar em uma ponta do espaço cenográfico, por exemplo, qual iluminação, qual efeito de sombra, e qual ângulo e posição do biombo podem obter o resultado desejado?

 

Via de regra, uma vez criado o cenário é elaborada uma proposta de iluminação para o espaço cenográfico: iluminá-lo, pontuar marcações de cena, definir limites de atuação. No caso, ela se adéqua à situação. Mas é aqui que falta a reflexão sobre a sombra que, comumente, se tenta eliminar da cena.

 

Entretanto, ao realizar a construção do cenário refletindo conjuntamente sobre a iluminação e a sombra como elementos constituintes do cenário, não se elege um elemento dominante em função do outro. A pesquisa laboratorial a ser realizada necessitava de uma luz que está para a sombra assim como a sombra está para a luz; e, do mesmo modo, de um cenário que está para a sombra assim como a sombra para o cenário, e assim sucessivamente.

 

Resolver essa questão conduz a um acabamento limpo que evita que uma parte de um elemento não seja abrangida por outro elemento. Por exemplo: no caso de se iluminar uma parte do cenário, se cria uma sombra que pode ocultar outra parte. Isso pode vir a ocorrer quando luz, cenário e sombras são trabalhados separados, em camadas criadas individualmente e sobrepostas umas nas outras de modo independente. Ao propor a aproximação dos elementos desde o princípio, não haverá várias camadas, mas uma espécie de massa homogênea na qual não se consegue dissociar um elemento do outro. Desse modo, quando a disposição do cenário é modificada no decorrer da pesquisa ou da encenação (devido às mudanças de direção da luz e da sombra), o cenário também modifica luz e sombra barrando ou refletindo a luz. O cenário atua como instrumento de formação das sombras. Tudo permite que a cena se modifique continuamente.

 

Depois do cenário disposto a partir do ângulo de incidência da luz – criando sombras ou espaços de ausência de luz -, a sombra passa a tomar forma como elemento de cena. O que é a sombra? Qual a sua relevância? O que é sombra e o que é luz passa a ser relativo, pois um existe em decorrência do outro.

 

Escolhas da sombra

O primeiro aspecto relevante da sombra é: ela só existe porque existe a luz que incide em alguma matéria sólida e, como consequência, surge uma área que não é atingida pela fonte luminosa de forma a criar um espaço de ausência de luz. Somente percebemos esse espaço de sombra por contraste com a área iluminada: apenas dessa forma é possível “ver” a sombra, pois, se a luz preenchesse todo o espaço de forma plena o efeito seria de luz total, o que impossibilita ver não somente a sombra, mas toda a cena.

 

O segundo aspecto acompanha o anterior: a luz só existe porque a sombra existe, ela é quem vai dar os contornos “na” luz. Sem a sombra não seria possível observar os limites da luz; logo, não haveria como distinguir a luz propriamente dita.

 

A sombra acompanha o homem desde os seus primórdios: a escuridão e a sombra ainda suscitam os sentimentos de temor e respeito nas pessoas. A sombra é inseparável de nosso cotidiano, como um elemento mágico que toma formas, nos deforma, faz crescer e diminuir. Ela apresenta potencial místico que contemplamos como um enigma. Na sua história, porém, o homem passou a travar  maior conhecimento com ela, desejou poder manipulá-la e dominar as técnicas do que hoje é denominado teatro de sombras ou formas animadas: mantendo sua condição mística na representação de mortos e deuses, aos poucos esse universo ampliou-se e conquistou toda uma gama de possibilidades.

 

As crianças aprendem a brincar com a sombra simulando cachorros, pássaros ou simplesmente brincando com o seu próprio corpo em projeção. Ao mesmo tempo, a sombra é referência do obscuro, do que não se deve fazer, do perigoso: é mesmo comum usar a palavra sombra para designar algo maligno, sorrateiro ou traiçoeiro. Obviamente, a sombra que nada mais é do que um fenômeno, mas passou a ser temida, reprimida e rejeitada. Ao se iluminar um espaço, muitas vezes um dos objetivos é eliminar  a sombra. Logo, ao mesmo tempo a sombra é mistificada e indesejada.

 

Retomo a sombra do teatro. No início do uso da iluminação dos espaços fechados, devido à fraca intensidade das fontes iluminadoras, a penumbra dominava o palco e a cena. Aos poucos, porém, as fontes de iluminação se desenvolveram até  chegar às tecnologias atuais. Com isso, passou-se à ideia de iluminar o palco ao  máximo, retirar os vestígios de sombra e, se possível eliminá-la por completo, sem que se pensasse um meio termo entre a penumbra e a luz. Contudo, a sombra (em conjunto com a luz) fornece o contorno e a forma das coisas e é essencial para a percepção do espacial. Ela acumula também funções dramáticas e na atuação (para além do teatro de sombras). Necessita, portanto, ser explorada em suas diferentes modulações em situações e cenas.

 

A sombra, assim como a luz, representa tanto nichos vazios quanto sólidas paredes; e causa tensões no espaço.

 

A imagem a seguir apresenta uma série de significados produzidos com o jogo entre sombra, luz e cenário. Nela, percebe-se que os feixes de luz não se encontram recortados diretamente na fonte de luz, mas resultam da incidência da luz no cenário. É essa incidência que delimita os corredores de luz e cria outros espaços menores dentro do espaço mais amplo.

 

Na mesma imagem é possível perceber que as sombras distribuídas pelo centro do espaço e suas extremidades criam um vão, um abismo entre dois lugares separados apenas pela sombra na representação de um labirinto. A diferença entre utilizar paredes materiais e a sombra reside em que o espectador não teria visibilidade completa da cena se fossem utilizados, por exemplo, biombos para criar o labirinto. A sombra os substitui e efetua a mesma intenção e sensação de separação.

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Imagem 2.
Experimentos com cenário, luz e sombra: labirinto

 

A sombra passa a representar, toma forma, assume um papel. Não é, pois, o teatro a arte de representar? Essa arte se estende a tudo que está na cena, logo, abrange a sombra que pode ser reabilitada para uso significativo no teatro contemporâneo.

 

Em suas screens, Craig utiliza a sombra e a penumbra na cena. Elas moldam a cena ao ponto de transformar a forma visual e plástica dos cenários: um mesmo espaço apresenta diversas tensões e sentidos sem ter seu cenário modificado, mas sim os ângulos de luz. A sombra e a penumbra destacam a cena iluminada que, de outro modo, perderia nitidez. Foi a partir de Craig que percebi esse potencial, e decidi explorá-lo para, como Craig, criar imagens de contraste na cena: o jogo do claro versus escuro e da luz versus sombra se tornam capazes de modificar a dinâmica da cena.

 

Escolhas da luz

A partir destes dois primeiros elementos – cenário e sombra – encontro  o terceiro: a luz teatral. Sua função primeira é a de iluminar o espaço, eliminar a sombra e expor o cenário (como demonstrado nesta pesquisa, sem o cenário ou a sombra, não é possível perceber a luz).

 

A luz encanta os homens, que desde os primórdios da cultura aos poucos aprenderam a dominá-la e utilizá-la. Do controle do fogo, o homem passou ao controle da luz e de suas diversas fontes artificiais, transformando o fogo em energia. Ela também emite calor: mesmo as luminárias de led, por exemplo, por mais frias que sejam, emitem calor em intensidade menor, mas não nula.

 

A luz engloba um todo teatral, mas também depende deste todo: sem a luz não somos capazes de observar o cenário e a sombra, assim como qualquer outro elemento que exija nossa visão; em contrapartida, se há apenas luz no espaço teatral, não há cenário para ver nem sombras para contrastar. Logo, não veremos nada além de um grande clarão que denomino como “luz absoluta”: luz plena, mas luz que cega, luz tão intensa que impede de enxergar. A luz permite vários efeitos, possui várias competências: ilumina a cena geral ou ilumina apenas um ponto no espaço, iluminar com um único foco um só elemento ou distribui vários pontos no espaço,  cria corredores e nichos. Há uma infinidade de possibilidades que a iluminação oferece.

 

Craig foi um dos primeiros a colocar a luz em destaque, não apenas como ferramenta, mas como forma. A luz passa a ser “corpórea”, ou seja, ela toma forma, cria tensão, ela atua, contracena com os atores que podem realizar mais um diálogo, além daquele que já existe entre eles. A luz guia a atenção do público, mostra o que deve ser visto, insere focos de atenção na cena e destaca pontos significativos em determinado instante.

 

Além de banhar a sala e/ou o palco a fim de criar uma ambientação geral, a luz cria ambientes e sensações: frio, calor, forte, intensa, baixa, fraca. Craig propõe em seus desenhos uma luz que significa, que diz algo, que faz sentidos.

 

O encontro dos três elementos – cenário, sombra e luz – fornece o tônus, o clima e a sensação que compõem o ambiente cênico: a luz ilumina o cenário, delimitada(o) pela sombra; o cenário reflete a luz e cria espaços de sombra; e a sombra delimita a luz  e auxilia o cenário, cobrindo-o. São elementos à disposição da vontade do encenador, mas sempre dispostos um em consideração do outro.

 

Ao se desejar determinada visualização da cena, localiza-se num ponto do espaço um determinado refletor para poder alumiar aquela cena: esse costuma ser o preceito básico da iluminação teatral. Contudo, é necessário considerar, antes, dos elementos que estarão na cena quais serão iluminados e quais ficarão na penumbra ou  no escuro, em que momentos e em como se dará.

 

Também devem ser consideradas as cores da luz e dos elementos cenográficos, mas, dada a dimensão da reflexão, esta é uma discussão não realizada na atual pesquisa. A luz pode ser estática ou se transformar em cena: manipulada, pode advir de diversos refletores com grande quantidade de ângulos, de alturas e de equipamentos diferentes: tudo influencia no modo como a luz aparece em cena. Cada luz utilizada corresponde a uma razão específica dentro da cena. A luz dialoga com a cena, com o espaço, com o cenário, com a sombra, a luz possibilita a observação de cada detalhe.

A luz pode adensar a sombra, o ar, superexpor, criar closes, seccionar as zonas de atuação ou o corpo dos atores, encher  o ambiente de reflexos, criar brumas, construir zonas perturbadoras ou geometrias irradiantes, tragar ou submergir um personagem em suas nuances, fazer vibrar o tremor de uma simples lâmpada sobre um rosto. Longe de estar apenas na origem de efeitos pontuais e limitados, a luz se torna um modo de escrever os acontecimentos em cena, de conduzir uma narração plástica. Representando a emoção no lugar do ator, ela pode inclusive torná-la visível. (Picon-Vallin, 2006, p. 96)

 

A citação acima consegue condensar parte da capacidade que a luz tem de transformar não apenas a imagem, mas a estética e a emoção.

 

Relações e interferências entre os elementos

Neste capítulo, a minha atenção está voltada para a relação que existe entre luz, cenário e sombras, em como cada elemento serve de apoio para o outro e em como este pode servir de interferência na cena.

 

No capítulo anterior, os três elementos foram abordados de forma separada, fazendo sempre breves observações sobre a relação que um elemento tem com o outro. Elas formam a base para discutir e dialogar sobre as relações e interferências em que um elemento incide no outro. Não está em questão somente o elemento em si, mas também quem cria o elemento, pois, como dito, os elementos trabalham de forma independente e, ao mesmo tempo, dependem um do outro. Portanto, as questões sobre quem irá criar um elemento ou outro; e sobre como se dará esse processo de criação são de suma importância para essa pesquisa.

 

Se um elemento depende do outro, seus criadores irão depender uns dos outros também. A fragmentação das funções pode vir a ser uma aliada muito forte,  mas também ser o principal empecilho no desenvolvimento do trabalho. Ao pensar em apenas um elemento e em como ele pode funcionar na cena, o tempo e a atenção despendida neste são mais concentradas do que quando se pensa em mais de um elemento. Contudo, dois elementos – a luz e a sombra – são controlados por uma mesma pessoa: o iluminador. Por mais que o cenário influencie diretamente os dois elementos mencionados, é o iluminador quem irá dispor o aparato para refletir a luz e desse modo também obter a sombra. Por outro lado, o iluminador deve conhecer os elementos de cenários que o cenógrafo cria, pois é este cenário que irá receber e refletir a luz e nele será projetada a sombra. Caso o pensamento, as intuições e principalmente a imagem final sejam incompatíveis na mente dos dois criadores, o resultado não será o esperado e, ademais, pode criar um embate entre os dois elementos, subordinando uns aos outros ao invés de privilegiar o conjunto.

 

No caso de uma comunicação criativa dos três elementos, querer adicionar algum elemento como, por exemplo, colocar um refletor em determinado local do espaço passa a ser uma tarefa menos complicada. O criador pensa em como irá influenciar e em como será influenciado cada elemento em relação ao resultado final. Nesse caso, ele deve dominar as técnicas dos três elementos.

 

A dificuldade de pensar o conjunto de luz, cenário e sombras recai no fato  de que qualquer alteração em qualquer elemento irá interferir imediatamente no ajuste, posicionamento e significado do outro elemento. Não basta apenas mudar um refletor de posição para ganhar ou diminuir a área iluminada, sem antes levar em consideração o cenário ali disposto; e, ao contrário, ao retirar o refletor o cenário deixa de ser iluminado ou talvez o cenário receba muita luz deixando, em ambos os exemplos, de fazer sentido a estrutura dramatúrgica da cena, a dramaturgia da luz.

 

Essa pesquisa exige o maior cuidado para cada detalhe, mais do que nos casos em que a luz simplesmente cria iluminação geral ou focos com o objetivo primordial de iluminar uma determinada área sem se preocupar com as sombras a interferir no desenho da cena. O objetivo de trabalhar com os três elementos de modo conjunto e simultaneamente é exatamente o contrário: a sombra, como efeito desejado no espaço, está presente em alguns momentos mais, noutros menos. Contudo, ela é tomada como ferramenta da cena e se torna cenário, passa por luz, atua e interpreta. Desse modo, a sombra afeta diretamente a luz que já não apenas ilumina o espaço desejado, mas leva em consideração qual sombra irá surgir, quais partes do cenário vão ficar na penumbra e quais terão maior e/ou menor destaque na área total iluminada.

 

O cenário também toma partido, pois sem ele a luz não tem nenhum elemento no qual seja refletida para criar uma sombra. O cenário surge para dar a forma e unir os três elementos, é a ponte que unifica as extremidades. Posicionar um objeto de cenário em determinada parte da cena que condiga com a dramaturgia deve atentar à fonte de luz que o ilumina e no que isso irá resultar. Ou seja, uma  área cenografada em que uma parte é iluminada e em outra parte se projetam as sombras exige consenso entre os elementos a fim definir ângulos, posicionamentos, localizações capazes de obter o resultado desejado.

 

Na pesquisa desse TCC, o cenário permanece estático a fim de que seja transformado pela luz em diversos ambientes sem que se altere sua materialidade física. A questão passa a ser, então, a modulação dos ângulos da incidência da luz e sua intensidade, além de trabalhar com os tempos da luz. O objetivo não é criar uma imagem, como uma fotografia, mas uma sequencia de imagens que dão origem a um conjunto. Desta forma, pensar no cenário, que vai ficar estático no decorrer da encenação, exige que este consiga se adequar a dramaturgia e ainda faça parte da tríade luz, cenário e sombras.

 

A luz, por sua vez, deve considerar a imobilidade do cenário e dar-lhe vida, movimento fazendo uso do jogo de luz e sombras a fim de modular e mudar as características originais dos objetos cenográficos.

 

A sombra dá volume ao cenário: sem ela o que se obtém é uma cena “chapada”, tendendo ao bidimensional. A sombra evita que a cena se componha de cenário e luz estáticos, quebra a monotonia outorgando dinamismo à cena ao criar áreas de tensão entre um espaço iluminado e outro, entre um cenário e outro. A sombra também evita o excesso e a escassez de visibilidade em momentos específicos da cena.

 

A percepção do contraste entre os três elementos é descrita por Camargo:

[…] os pontos mais claros tornar-se-ão mais claros à exposição de uma jato de 4.000W; os mais  escuros, tornar-se-ão menos escuros, porém, a oposição claro escuro permanecerá. Para sempre. Uma imanência que luz nenhuma conseguirá transformar. Ainda bem. É o que assegura a diferenciabilidade nas coisas que vemos; e a riqueza visual, por conseguinte. (Camargo, 2000, p. 66)

 

Na pesquisa prática laboratorial desse TCC, luz e sombra a todo instante vão andar juntas. Seja a sombra penumbra ou escuridão total, sempre há contrastes entre Os elementos, a serem observados. Luz, sombra e cenário andam juntos: iluminar um cenário significa manter áreas iluminadas e áreas na penumbra, criar contrastes de tons, de cores e intensidades luminosas no próprio cenário.

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Imagem 3.
Experimentos com cenário, luz e sombra: contrastes

 

A imagem acima ilustra os contrastes que criam a cena com nuances e tônus de luz. Uma grande quantidade de luz se projeta no cenário. Ao passar para o “interior” da cena, vê-se uma quantidade menor de luz. Também se vê a sombra do cenário sobre outra sombra. Entre dois biombos há uma faixa de sombra, mais escura nas extremidades. Observar os detalhes permite entender melhor os contrastes: se vê tons mais escuros e outros mais claros. É a partir de tais contrastes que a imagem se faz. Além disso, a superposição das sombras produzem efeitos propositais que interferem de modo criativo nos sentidos cenográficos em todo o espaço: esse é o objetivo desse laboratório. Neste instante foi utilizado um refletor do tipo PAR #5 colocado a pino no centro do espaço.

 

Luz+Sombra+Cenário= Cenografia

Através das imagens deixadas por Edward Gordon Craig (1995) em seu livro El Arte Del Teatro, criei e desenvolvi um experimento prático laboratorial. Passo, nesse capítulo, a dialogar sobre as dificuldades, as necessidades e o funcionamento dessa pesquisa. Uma das intenções é trazer a teoria à prática, retirar a poeira de reflexões que se perdem no tempo sem demonstração objetiva e concreta de seus resultados.

 

Para tanto, fiz registro de ensaios, anotações sobre as criações de cenário, luz e sombras. Num primeiro momento, vou relatar como idealizei a investigação e concebi o cenário fixo em painéis a partir da proposta de neutralidade visual: lisos e sem nenhum adereço.

 

O local utilizado para realizar este laboratório experimental foi o Espaço I, sala de aula localizada no Bloco de Artes Cênicas do Centro de Artes da UDESC – Universidade Estadual de Santa Catarina, em Florianópolis. O espaço mostrou-se adequado devido a suas proporções e ao equipamento de iluminação ali instalado. O laboratório foi divido em etapas para melhor concretização da proposta.

 

O cenário foi o primeiro elemento a ser definido e disposto no local desejado. Ao terminar esta primeira etapa, a iluminação foi incluída no espaço criado. A disposição dessa iluminação teve a função de modificar o espaço cenográfico, alterar as percepções inicialmente criadas pelo cenário, transformar os espaços ao modificar a localização da luz e da sombra que, em conjunto com a luz, tomou sua forma.

 

A sombra é uma das particularidades dessa pesquisa. Desde o início, ela foi tratada como elemento de cena e pensada a exploração de seu potencial dramatúrgico, além de questionar a autonomia da luz. Com a junção dos três elementos, a sombra serviu para modular o ambiente criado.

 

Através da sombra foi possível destacar luzes no espaço. A sombra pode ser utilizada para esconder, tapar, anular cenários, atores e espaços. Ela não desvenda o mistério criado, deixa pairando no ambiente a tensão e dá tônus à cena. Essa ideia retoma a proposta barroca pela qual a figura não é desvelada por inteiro: aos poucos, ela se mostra e na mesma medida se esconde, deixando o espectador à espera de mais.

 

O espaço

Como citado anteriormente, o espaço utilizado está localizado no CEART – Centro de Artes da UDESC – Universidade Estadual de Santa Catarina. Este é uma caixa cênica utilizada para ministrar aulas práticas e apresentações de encenações e demais trabalhos.

 

Tal sala tem como medidas onze metros de largura por onze metros de comprimento e seis metros de altura. Esse é o seu espaço total. Dentro dele, tem-se cortinas pretas e brancas também, que tem em torno de quatro metros de comprimento e que servem para cobrir o vão debaixo do mezanino em três lados desta caixa cênica.

 

Fixado no teto está um conjunto de calhas que vem a constituir as varas de luz  de dito espaço. As quais estão divididas em espaços simétricos. A partir do início da sala até o fundo estão dispostas no sentido horizontal seis varas, cada uma destas contém 12 pontos de luz que estão conectados diretamente em seis moduladores de potência de energia elétrica (dimmers) localizados na sala ao lado no segundo piso, tal sala é a sala do projeto Luz Laboratório, projeto do qual farei um breve relato a seguir. Em baixo do mezanino também tem uma vara de luz que percorre o espaço, com mais 10 pontos de luz, ligados em um sétimo modulador de potência de energia elétrica, totalizando 82 pontos de luz disponíveis para criar a iluminação desejada para o espetáculo.

 

E para utilizar toda essa estrutura, estão disponíveis em torno de 60 refletores PC (plano convexo), 15 refletores elipsoidais com variação no grau de abertura (alguns tem 36º sendo que outros tem a opção zoom que varia de 25º à 50º), 30 refletores de lâmpada PAR (refletor de alumínio parabólico), que variam entre foco 1, 2 e 5, todos estes trabalham com uma tensão de 220volts. Sem contar, que também possui alguns exemplares de refletores diferentes como pin beam, mini-brut, mini-elipsoidais, strobo,  e acessórios como porta gel, porta gobo, além de ferramentas para realizar as montagens necessárias, várias extensões, gelatinas de diferentes marcas e várias opções de cores, o que permite um trabalho de criação muito grande, tudo isto localizado na sala do projeto Luz Laboratório, que tem também outros dois pequenos depósitos para guardar o material de iluminação.

 

Obtive o acesso a todo este material para aprendizado, estudo e pesquisa, após conseguir uma bolsa de trabalho no projeto Luz Laboratório. O qual, tem como uma de suas atribuições, auxiliar os alunos do curso de Teatro na criação da iluminação para suas apresentações (vale ressaltar que também auxilia nas demais áreas que exijam tais habilidades). Disponibilizando estes materiais e o suporte de uma equipe técnica composta pelo técnico responsável, contratado pela UDESC, neste caso o Ivo Godois, e bolsistas que tem como função auxiliar nestas atividades. Além disto, dentro deste projeto, são realizadas pesquisas voltadas para a área da iluminação, com o intuito de facilitar o acesso para esta área de trabalho dentro da universidade.

 

Graças a este projeto e a bolsa recebida por este, pude realizar o presente trabalho, que aqui exponho. Pois devido a este, obtive acesso a estas informações, através de palestras, dos livros relacionados a iluminação disponíveis no laboratório para pesquisa, juntamente com o Encontro Catarinense de Iluminação Cênica – A LUZ em cena, realizado anualmente por este projeto, entre os meses de julho e agosto.

Proto-experiências

Antes de tratar sobre o resultado deste estudo devo salientar uma primeira experimentação que deu origem à presente pesquisa. Foi a partir dos resultados desse proto-experimento e da busca por material para poder realizá-lo que me deparei com os escritos de Craig e suas screens, as quais influenciaram minha primeira experiência e  me instigaram a ampliar a reflexão sobre a iluminação.

 

O experimento em questão foi realizado na encenação de Os Emigrados, resultado da disciplina de Direção Teatral do curso de Teatro da UDESC, ministrada pela Dra. Maria Brígida de Miranda e dirigida pelos alunos de graduação Anderson Barbarotti e Monique Rosa.

 

A primeira ideia para criar sombras significativas nessa encenação surgiu após uma indicação dos diretores sobre o local no qual ocorreria a ação: debaixo de uma escadaria (ver Imagem 4. Todas as imagens do experimento da peça os emigrados mostradas nessa e nas próximas páginas foram produzidas por Romullo Buratto e retiradas do site: http://volvercoletivo.wordpress.com/2012/03/14/direcao-de-arte-os-emigrados/). O detalhe inicial que chamou a minha atenção sobre o potencial da escadaria veio do espaçamento entre os degraus: a luz não precisava vir necessariamente de dentro da escada (digo, colocar refletores apenas no interior do espaço), mas de fora para dentro, aproveitando as lacunas de espaço por ela oferecidas.

 

Decorrente dessa percepção surgiu meu interesse pela sombra que a luz advinda de fora iria produzir no espaço. A cena resultou dividida em várias faixas, como se estivesse listrada. Uma vez que a luz vinda de fora produzia sombra na cena a partir do ângulo de incidência da luz, pude aproveitar esse evento e desenvolver outro detalhe: o da passagem do tempo percebida, então, não pela alteração de cores ou pela mudança da intensidade da luz, mas pelo deslocamento das sombras da escadaria no espaço.

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Imagem 4.
Fotografia de Os Emigrados

 

 

A justificativa dessa percepção veio da análise do Sol, em como ele influencia nosso dia-a-dia. O Sol, ao nascer, se encontra mais próximo da linha do horizonte e no Leste. Logo, no amanhecer as sombras vão estar direcionadas em direção ao Oeste e, com o decorrer do dia, o Sol vai alcançar seu ponto máximo ao meio-dia, quando se encontra em uma posição 90º em relação a nós. Nesse trajeto, nossa sombra que, de início, estava apontada para o Oeste vai aos poucos diminuindo de tamanho até praticamente desaparecer sob o sol a pino. Mas, para continuar a sequência diária, o Sol vai se por do lado Oeste e, desta vez, a luz projeta a sombra em direção ao Leste.

 

Na Imagem 5 podemos observar a luz disposta em uma angulação de forma a trabalhar com as frestas da escada. Trata-se de um ciclo básico que observamos desde a infância cuja propriedade foi a mesma utilizada na escadaria do cenário e permitiu explorar resultados. Além disso, despertou a possibilidade e o interesse em avançar com os estudos entre luz, cenário e sombras.

 

Uma característica marcante nessa iluminação era que o ator, o cenário e demais elementos de cena somente seriam iluminados em determinada parte do dia: o objeto cenográfico “mesa” estaria o tempo inteiro em cena, mas somente em determinado momento ela receberia um destaque da luz. Outra característica foi que, ao criar várias faixas de luz que traspassam a escadaria, vários elementos eram também destacados por estarem dispostos no local exato, por exigências dramatúrgicas da encenação. Utilizei uma luz geral de forma suave para melhor visibilidade da cena ao todo, contudo, a iluminação do “dia-a-dia” era a que marcava de fato a cena.

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Imagem 5.
Linhas de sombra e luz que demarcam o espaço e o tempo.

 

 

 

O objetivo era explorar o jogo entre a luz, sombra e ator, além do modo como o ator pode usar estes elementos a seu favor. Imprevistos da montagem da encenação (imagens 4, 5, 6 e 7) impossibilitaram a presença dos atores em cena. Contudo, eles serviram para dar mais ênfase à iluminação, que passou a atuar com maior destaque no espetáculo.

 

A partir dessa percepção observei que a sombra deveria ter função dramatúrgica na cena, que poderia participar mais dela e influenciar seus outros elementos. Pude perceber também o modo como a tríade luz, cenário e sombra está sistematicamente interligada, como a disposição de uma influencia diretamente a outra. Ao tentar me aprofundar nessa área, percebi também que não havia material didático suficiente para continuar a pesquisa. Então, resolvi realizar meu próprio laboratório.

 

As duas imagens a seguir (Imagem 6 e Imagem 7) reforçam a tríade luz – cenário

– sombra, sua interligação para criar a ambientação da cena teatral.

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Imagem 6.
O foco

 

 

 

Na imagem acima é evidente a atenção dada ao cinzeiro, destacado na mesa sem necessitar de um foco específico para ele, mas apenas pelo posicionamento no conjunto do cenário, pela incidência da luz e pelas áreas de sombra. Em conjunto com a cena, demonstra a rotina matinal dos personagens, um cinzeiro junto aos pratos do café da manhã, o vício, o prazer de acordar e realizar tais ações.

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Imagem 7.
Evidência de detalhes cenográficos

 

 

Na imagem anterior, o buraco na parede cenográfica não passa despercebido e fica mesmo em evidência em determinado momento da peça. Através do ângulo de incidência da luz, pode-se deduzir o período do dia em dado momento, através está imagem, podemos imaginar então, que o dia estava por volta das suas dez onze horas.

 

Ao terminar o trabalho nessa encenação, surgiu o convite para criar a cenografia da encenação Valsa nº6, também resultado da disciplina de Direção Teatral do curso de teatro da UDESC, desta vez ministrada pelo professor José Ronaldo Faleiro. A encenação foi dirigida pela aluna de graduação Aline Quites. A diferença neste caso, é que encenação e cenografia foram resultados uma da outra, a cenografia moldou a encenação ao passo que a encenação moldou a cenografia. Os materiais utilizados, descritos abaixo, trabalham diretamente com a iluminação. Adicionei à sala laboratório praticáveis que se moldaram ao espaço requerido pelas atrizes-dançarinas e demais elementos constituintes do espaço e do ambiente.

 

A construção da cenografia foi realizada em conjunto com a construção do espetáculo: encenadora e cenógrafo estiveram juntos dialogando desde o início, e também desde o início do processo os elementos que compõem a cenografia estiveram presentes no espaço de ensaio. Isso possibilitou uma sincronia entre os diferentes elementos na cena, um interferindo no desenvolvimento do outro. Defino para este trabalho que cenógrafo inclui: criador de cenário e iluminação, já que considero que iluminação é também cenografia.

 

Mais do que um estudo teórico, foi o resultado e a análise de experimentos práticos que me ajudaram a desenvolver e propor a fórmula CENOGRAFIA (LUZ+CENÁRIO= SOMBRA), título desse capítulo e da pesquisa realizada laboratorialmente.

 

A pesquisa laboratorial

Esse é o início do laboratório proposto no projeto de TCC. A primeira parte do trabalho destina-se à observação dos ensaios e conversas com a diretora e as coreógrafas.9 Comumente, o cenógrafo e o iluminador são chamados para criar após já existir um material pronto de cena, de modo que estes dois não podem interferir no trabalho já produzido: devem apenas encaixar-se, moldar-se a um produto quase pronto, o que limita de fato o poder de criação nas duas áreas.

 

Contudo, ao trazer aos primeiros ensaios propostas cenográficas e  de iluminação, abriu-se espaço para alteração na composição de partituras e para o contato das atrizes com o material que não é mais algo estranho de que elas estão afastadas, mas que interage, às vezes amplia e às vezes causa restrições aos gestos e movimentos.

 

No primeiro ensaio realizado, sem nenhum mapa de luz ou estrutura cenográfica, propus utilizar refletores já dispostos no espaço (Espaço I, UDESC), trabalhando de modo aleatório com a luz sem muita determinação de ângulos da luz. O maior objetivo era fazer as duas atrizes, mencionadas acima, sentirem a luz e sua ausência, trazer esse elemento desde o princípio ao processo e incutir a noção de que o ator deve procurar a luz e que também ele pode controlar o que será visto, ou não. Esse processo facilita o trabalho final, pois adicionar a luz somente no final do processo faz com que o ator não desenvolva sensibilidade para perceber a luz, limitando muitas vezes a representação.

 

Explorei a escuridão criando pequenos focos de luz no espaço. Primeiramente utilizei um refletor elipsoidal como canhão seguidor. Nele coloquei um gobo que continha vários furos como se fossem estrelas. Ao utilizar este material, foi possível criar vários fragmentos de espaços iluminados que funcionavam como minijanelas. As atrizes poderiam jogar com a parte do corpo que desejavam ter iluminada, entre seus espaços e a penumbra da cena. Plasticamente, resultou numa imagem interessante; contudo, para a pesquisa, a percepção dos atores é mais significativa do que a plasticidade em si.

 

Mantendo a mesma distribuição de espaço, retirei o gobo do refletor e passei a trabalhar somente utilizando o acessório faca11 a fim de recortar o corpo das atrizes e o espaço. Com a faca se poderia selecionar as partes a serem expostas ao público e quais deveriam permanecer na penumbra, ou desparecer. Ao invés de proporcionar as janelas, existia apenas uma delas e, para diferenciar mais, não eram as atrizes que decidiam o que mostrar, mas o iluminador. Desse modo, as atrizes puderam explorar não apenas partes, mas o corpo por completo; deviam estar preparadas para que, a qualquer momento, uma parte fosse iluminada, mantendo a tensão no corpo de forma constante.

 

Seguindo esta mesma percepção, utilizei uma luz estroboscópica, ou “strobo”, que proporciona também tensão nas atrizes, já que quem está fora vê apenas fragmentos muito rápidos do movimento, o que exige, tanto de quem faz como de quem assiste,  uma atenção maior.

 

Desse primeiro encontro, puder ter a conclusão de que não basta apenas o iluminador ter o conhecimento de sua ferramenta: se os atores vão contracenar com o cenário e a iluminação, eles devem reconhecer tais elementos. Com isso, foi possível criar um objetivo a ser alcançado ao longo dos encontros.
No segundo encontro, em experiência similar à anterior adicionei uma proposta cenográfica: com cinco praticáveis (praticável pantográfico de compensado naval, plataforma, com medidas de 2x1m e altura regulável de até 1 metro) distribuídos no espaço e quatro biombos pretos, dispus a sala no formato palco-plateia, tratando de deixar um vão central vazio na cena, para as danças das atrizes. Essa disposição cenográfica tratava de possibilitar diferentes ações entre as atrizes e os materiais cenográficos. Um ator deve realizar várias e diferentes partituras até encontrar o que deseja. A cenografia também deve se permitir experimentar diferentes propostas.

 

Uma dificuldade inicial residiu na timidez das atrizes. Atores, em geral, parecem estar acostumados a só receber a cenografia quando os ensaios estão no final. Além disso, demonstram certo receio em tocar os elementos de cena, em interagir com eles. Procurei que as atrizes pudessem criar interações com a cenografia. Contudo, no início dos ensaios, a cenografia foi praticamente ignorada e não utilizada pelas atrizes, aparentemente restritas ao cômodo, simples e seguro.

 

Propus, então, que as atrizes jogassem com os biombos que estavam em cena, que fizessem um reconhecimento do material que lhes era oferecido a fim de que este auxiliasse na criação das personagens, na construção das partituras e no reconhecimento do ambiente. Minha ideia inicial era que percebessem os corredores criados para transitar ora se escondendo da plateia, ora retornando à cena. Ao invés disso, as atrizes pegaram um biombo, carregaram-no de um lado a outro, arrastando-o. Surgiu a possibilidade de realizar esses movimentos em cena. Contudo, novamente a insegurança quanto ao material – pesado, com desníveis – impediu a superação das dificuldades, demonstrando seu medo de enfrentar novidades. Mas, serviu para que elas reconhecessem os biombos e percebessem seu material.

 

Como parte integrante na constituição e elaboração do trabalho, é possível perceber que em determinados momentos tive a liberdade de agir codiretor para melhor aproveitamento do material que eu estava propondo.

 

Uma ideia refutada foi a de criar um patamar diferente: o público em um nível e as atrizes em outro com alguns “buracos” na cena criando vazios; além de plataformas criadas com praticáveis. De novo surgiu o receio quanto a riscos nos momentos das danças e quanto a irregularidades do piso, o que lembra a resposta de Craig sobre a resistência de um diretor em aceitar sua cenografia: ele afirmou que o cenário era inspirado no trabalho de um cenógrafo famoso, e o diretor aceitou, por ser “superior”.

 

As indicações iniciais da diretora eram que ela queria que o público se perdesse dentro do espaço, dando a sensação de que não soubesse onde estava. A ideia era “engolir” a plateia com a cenografia e a luz, talvez espelhá-la pelo espaço em forma de labirintos. Desse modo, cada um veria fragmentos diferentes das cenas, observando relances, sombras, penumbras, atrizes e “palavras” distintas. Labirintos de paredes intermináveis, sem fim, a se perder de vista. Iria retomar uma proposta utilizada no espetáculo Os Emigrados (ver começo do capítulo) em que refletores de luz pendurados a poucos metros da plateia criam a sensação de que o teto espreme o espectador. Mas, o público não deveria estar dentro da cena, e optar por uma disposição à italiana retira o público do campo de ação, do espaço da cena.

 

Por fim, decidiu-se por um espaço diagonal para as atrizes com o público disposto em dois extremos de uma linha, um corredor. Uma parte da plateia deve ser capaz de observar a outra parte, as duas colocadas nos extremos do corredor das atrizes. Seguindo esse raciocínio, automaticamente a encenação será vista a partir de dois ângulos diferentes: cada extremo verá uma face da encenação. Esta disposição permitiu utilizar diversos recursos de luz e cenário para criar paredes, portas, aberturas e reflexos em cena. Além disso, a luz frontal de um extremo será automaticamente o contra luz do outro extremo. Pelo jogo entre luz e cenário, a iluminação modifica o espaço:

A iluminação transforma o palco. Retira o que não é necessário ver, limita ou amplia a área de atuação, substitui a cortina, aproxima ou distância os atores em relação ao público, captando a cena sob diversos ângulos; além disso, funciona como elemento de pontuação do espetáculo, estabelecendo as pausas entre uma cena e outra, as transições, os cortes rápidos… (Camargo, 2000, p. 79)

 

Não é apenas que o espectador de um lado que verá o oposto por outro ângulo, mas também apenas o verá se o outro lado permitir. Uma iluminação frontal muito forte, por exemplo, dificulta a visão da outra parte da plateia.

 

Com os biombos, crio corredores pelo espaço quando esses elementos materiais respondem à iluminação recebida. Traço linhas que dividem o espaço ou que o unificam num só. Na imagem seguinte (Imagem 8), se pode observar como, através das sombras, se pode criar diferentes percepções: Para conseguir esse facho de luz, deve-se encontrar ou produzir uma brecha numa parede sólida. O biombo possibilita corredores de luz e portais luminosos. Se mudarmos o ângulo da fonte luminosa, o espaço se modifica e se alteram sua estrutura e sentido dramatúrgico.

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Imagem 8.
Exemplo de feixes de luz produzidas por brechas em paredes sólidas

 

 

Na Imagem 9, a luz no centro da cena permite explorar a penumbra. No canto esquerdo, uma atriz se refugia atrás de um biombo onde a luz cria uma fenda luminosa.

Projeto.cdr

 

 

 

Imagem 9.
Duas atrizes na periferia de forte iluminação central

 

Na Imagem 10, a seguir, a pré-disposição dos refletores no cenário permitiu a criação de espaços de luz, sombras e cenário. Devido ao conjunto luz-cenografia- sombras, criou-se um labirinto no espaço. A utilização de equipamento elipsoidal realizaria recortes no espaço e conseguiria um efeito semelhante. Contudo, ao explorar a luz incidindo nos biombos se obtém outros efeitos: o reflexo da luz nos biombos, a área iluminada ao seu redor. Os biombos mantêm, na cena, sua função primária de elemento cenográfico e atuam ao mesmo tempo como delimitadores da luz, modificando o espaço ao seu redor. As atrizes (as duas estão em cena representando a mesma personagem) entram no labirinto em permanente contato visual com a outra atriz. No entanto, estão dramaturgicamente separadas pelo espaço luminoso, e é dessa maneira que esse labirinto transforma o espaço físico da cena em espaço dramático.

Projeto.cdr

 

 

 

Imagem 10.
Labirinto

 

A fragilidade que resulta da atribuição a um elemento imaterial da força de um elemento material, de dotar a luz de materialidade, de solidificar um elemento volátil e não palpável mostra a forma do “incorpóreo” que, conforme Camargo,

seria a iluminação séculos mais tarde: um meio de representação, tão poderoso quanto outros elementos cênicos. Se uma coluna pode representar um palácio; se um trono pode designar realeza e se o canto dos pássaros pode estabelecer uma floresta, por que também a luz não pode representar alguma coisa? (Ibidem, p. 14)

 

Neste trabalho, repito, que ao elemento luz se integra também a ausência de luz. Na imagem anterior se percebe como se pode associar à ausência de luz um poder representativo: a sombra pode representar e, nesse caso, interpretar o labirinto que transforma a cena.

 

Na sequência de imagens a seguir se vê a transformação do espaço através da modulação do ângulo de incidência da luz. Demonstra o já dito anteriormente sobre o cenário estático em que somente se modifica a localização da luz e da sombra. Para isso, não basta unicamente dispor de um cenário qualquer e a luz fará o restante do trabalho; pelo contrário, desde o início a disposição do cenário já está relacionada com o  resultado final.

 

Nas imagens a seguir (Imagem 11 e Imagem 12), a luz incide de forma frontal na base do praticável e no biombo.

Projeto.cdr

 

 

 

Imagem 11.
Incidência de luz em cenário estático

 

A atriz está disposta no limite da luz, no vão deixado entre a sombra criada pelo biombo e pelo espaço da luz. A cena se recorta no espaço e não cria vínculo com as demais partes que se encontram no escuro. Sobre o limite de sombra do vão onde a atriz se encontra, uma única fonte refletora ilumina o biombo e o praticável criando, desse modo, um pequeno corredor, uma lacuna, como uma porta.

 

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Imagem 12.
Atriz e corredor, lacuna, porta.

 

 

O mesmo efeito se consegue no lado o posto da cena. Relembro que o público está disposto em uma diagonal, ou seja, ele é dividido em dois e cada parte está de  frente para um dos conjuntos de biombos e praticáveis; no produto final, essa disposição também altera a percepção da plateia quanto ao resultado da cena.

 

Isso é verificado na Imagem 13, na qual é reproduzida a cena anterior, mas do lado oposto. Uma das intenções do projeto de iluminação era criar um labirinto entre as duas atrizes que representam a mesma personagem a fim de dar a impressão de cair em um mundo imaginário, de sonhos e instabilidade: criar espaços vazios, de sombras entre as atrizes. Nessa imagem, o resultado é visível: se vê o lugar de cada atriz iluminado em contraste com o espaço entre elas de forma a criar uma sensação de abismo.

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Imagem 13.
Abismo

 

Em contrapartida, a Imagem 14 mostra como, posicionando um refletor em outro ângulo, se origina uma aproximação entre as personagens: mesmo separadas por abismos imaginários, a iluminação acompanha o sentido dramático da cena a fim de que o público perceba o que sentem as personagens.

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Imagem 14.
Aproximação

 

A Imagem 15 retoma o abismo e, com o auxílio do cenário, é criado um espaço iluminado e, em sua extensão, um corredor que se perde entre as sombras e penumbras da cena. Logo, na medida em que, sensorialmente, as personagens se aproximam, a mudança nos corredores e abismos remete à volta às origens distantes de tudo como num sonho, um abismo em que o público, como espectador ativo, também se insere.

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Imagem 15.
Espaço do público inserido no abismo

 

Na próxima imagem (Imagem 16), se reutiliza os efeitos da escadaria e seus degraus, descrito nas Proto-experiências no começo dessa monografia. Todavia, ao invés de degraus, agora os biombos são os suportes cenográficos da fragmentação da cena. No canto inferior esquerdo, há apenas um ponto de onde a luz é refletida. Mas, a presença dos biombos acaba por dobrar em dois focos e criar dois espaços: um sobre o praticável e, o outro, um corredor entre eles. Esse efeito é causado pela  disposição destes elementos de cenário. Ao mesmo tempo, no canto superior direito a mesma cena se repete e é possível perceber mais um corredor na cena. Os dois são separados pelas sombras criadas pelo cenário. Os biombos delimitam a área de atuação, eles criam um espaço vazio, um espaço em que as duas atrizes podem observar uma a outra. Dramaturgicamente, se representa um abismo ou muralha que as separa “física e psicologicamente”.

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Imagem 16.
Muralha de luz

 

O resultado do conjunto das imagens é o labirinto psicológico, imaginário, sensorial em que se encontram as atrizes (Imagem 17).

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Imagem 17.
Espaço final da experiência

 

Com a sequência das imagens acima, a forma final da equação que dá título a esse capítulo – (LUZ+CENÁRIO=SOMBRA)CENOGRAFIA obtém seu resultado: as Imagens 17 e 18 representam os labirintos finais e complementam o estudo. Nelas se tornam perceptíveis os pontos de luz que atingem determinadas partes da cena em decorrência da localização do cenário que, por sua vez, projeta sombras e conforma as penumbras no espaço que se tornam parte dos cenários de forma a moldar a estrutura visual da cena.

O que se pretendeu realizar foi uma cenografia que faça dialogar a todo instante e de forma necessária a luz, o cenário e a sombra.

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Imagem 18.
Cenografia da sombra

 

Considerações finais

Após um ano e meio dedicado ao estudo dos elementos da iluminação, chego a conclusão por hora de minhas pesquisas.

 

O desejo ao realizar esse trabalho era obter uma teoria que pudesse servir de referência para trabalhos posteriores. Para isso, primeiramente, a teoria deveria ser colocada em prática a fim de que se pudesse saber se funciona ou não. A análise do trabalho de Edward Gordon Craig permitiu que minha percepção sobre os elementos dispostos no trabalho fosse despertada e explorada. Esses elementos – a luz, o cenário e  a sombra -, ao tomar forma na cena, tiveram seu potencial dramatúrgico e representativo exposto.

 

Deixei que cada elemento fizesse seu trabalho por si só. Porém, a homogeneidade obtida ao trabalhar com os três elementos em conjunto permitiu que a mínima alteração em um elemento criasse um efeito em cadeia no qual todos os demais são afetados, direta ou indiretamente. Criar um processo laboratorial para tratar da investigação desse conjunto na cena foi a melhor opção para tentar alcançar a proposta de pesquisa, pois ao desenvolver os elementos da cena em separado se perde o poder de ambientação do espaço. Os elementos, ao invés de entrar em conflito de forma a criar distúrbios não intencionais na cena, puderam cumprir um diálogo.

 

Interligados entre si, não é mais possível definir quando começa ou termina um ou outro elemento, se realiza uma fusão, uma mescla que ao mesmo tempo define o espaço e não define a sensação que paira por sobre a cena e o espectador. A cena ganha contornos suaves, cada parte dialoga com o restante e juntas criam uma ambientação na qual o espectador perde-se no espaço-tempo.

 

A dificuldade reside na tarefa de capacitar o ator a perceber quais são os elementos que atuam em conjunto com ele, que ele deixe de ser o centro da cena e perceba seu entorno. O ator também faz parte, ele é um entre outros elementos de cena que atua em conjunto com os demais, em diálogo com eles, contracena com eles.

 

Nas anotações de Craig sobre a “supermarionete”, o ator não é o UM. Não se trata de valorizar ou desvalorizar um ou outro, mas de tornar todos os elementos imprescindíveis em um mesmo plano, da cena.

 

Constato e deixo à mostra o modo como a luz, o cenário e a sombra têm o potencial necessário para transformar a cena. Essa tríade, além de ser capaz de dar tônus e clima ao ambiente, é capaz de representar, de participar dramaturgicamente da cena.

 

Esses elementos não devem ser ignorados e muitos menos dissociados.

 

Edward Gordon Craig deixou um legado que mostra a importância de cada parte da cena no resultado final de uma montagem teatral, o que foi confirmado por essa pesquisa laboratorial e cujos resultados entrego aqui, nessas páginas. As indicações de Craig acompanharam todo o processo e chegam ao seu final reafirmando a necessidade de revelar cada vez mais as potencialidades dos três elementos a que essa investigação foi dedicada: o cenário, a luz e a sombra.
 
Download do projeto

 

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