Esta edição do ‘Carnos de Luz’, do portal da SP Escola de Teatro, reúne textos sobre iluminação publicados na revista acadêmica Sala Preta (volume 15, número 2), do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade de São Paulo, publicados em 2015.
Organizar um dossiê com o tema iluminação é um passo importante para permitir que a área possa ser produtora significativa de pensamento. Reunir escritos e reflexões produzidos por aqueles que desenham luz e por pesquisadores que a analisam é, nesse sentido, um movimento que envolve artistas e teóricos em um diálogo crítico sobre o teatro, contribuindo para deslocar a iluminação cênica de um lugar que, ainda hoje, pode ser considerado de servidão.
Ao analisar a história recente da cena moderna e contemporânea, podemos constatar que as rupturas e mudanças mais significativas na linguagem da luz aconteceram pelas mãos de encenadores, em parceria com técnicos que conseguiram viabilizar suas ideias arrojadas. Assim foi com Ziembinski, Gianni Ratto e Gerald Thomas, para citar apenas casos exemplares. Mesmo atualmente, diversos diretores desenham sua própria luz ou a de outros parceiros, como acontece com Iacov Hillel, Cibele Forjaz, Rodolfo Garcia e Marcelo Lazzaratto, os três últimos com textos neste dossiê.
Foi a partir da década de 1980 que os especialistas da luz, os chamados light designers, começaram a ganhar espaço no mercado e na criação. É quando a iluminação torna-se uma categoria em prêmios teatrais, o que funciona como reconhecimento não só do trabalho desses profissionais, mas também da contribuição da luz para a criação da cena. Nesse momento, a trajetória e o desenvolvimento do ofício ligam-se à própria formação dos profissionais, ocorrendo quase exclusivamente por meio da prática e do acompanhamento dos mais experientes. Na década, ainda não tínhamos os assistentes de iluminação, e o espaço de aprendizado era possível somente em relação à figura do técnico.
Contudo, esse quadro é alterado nos anos 1990, com o surgimento dos coletivos de teatro, quando se inicia um trabalho de cunho pedagógico, ainda informal, que une o aprendizado da tecnologia da luz à experiência de criação. Nesse período, em que me incluo, o trabalho continuado e a valorização do processo criativo passam a auxiliar na formação de profissionais da área.
Após o surgimento e o fortalecimento dos especialistas em desenho, que deixaram o papel de técnicos que davam corpo à criação dos diretores para passar a atuar no trabalho coletivo dos grupos teatrais, aparecem outras questões a serem enfrentadas pela iluminação. Novamente, vemos a tradição em confronto com algo que viria mudar esteticamente a cena, mas ainda enfrentava muita resistência: a tecnologia digital. Os chamados equipamentos multiparâmetros (moving lights, leds) criaram uma cisão entre aqueles que acreditavam ser possível seu uso em cena e os que demonizavam esse tipo de dispositivo. Curiosamente, nos trabalhos dos diretores que desenham luz ainda é comum a ausência desses equipamentos.
A partir dessa constatação, pode-se concluir que há uma dificuldade muito grande de abertura do teatro à entrada das tecnologias mais recentes. Se é verdade que avançamos na linguagem da cena, é preciso admitir que na luz ainda engatinhamos, pois não temos o mesmo arrojo e a mesma disposição para romper barreiras, para transgredi-las.
Com base nessas considerações, levantamos, neste dossiê, diversas questões ligadas ao trabalho do light designer, relativas ao aprofundamento das ferramentas do ofício, ao exercício continuado da criação e ao livre trânsito entre diferentes linguagens, como shows, espetáculos de dança, ópera e o próprio teatro. Esse trânsito permite que nos questionemos sobre o que é especifico da linguagem teatral e o que dialoga com ela, ou pode estar presente nela e também em outras criações artísticas. Acredito que não existe um campo fechado para a pesquisa em iluminação, como não existe esse ou aquele equipamento específico para essa ou aquela linguagem. Vivemos um hibridismo em todos os campos, e na luz não poderia ser diferente.
Com este dossiê, esperamos abrir discussões sobre o papel da iluminação na criação de um espetáculo, sobre a tradição e as novas tecnologias, sobre os diretores desenhistas, os especialistas da luz e as diversas linguagens em que a luz pode atuar, pensar livremente e ser um elemento preponderante na cena. Esperamos que os textos aqui reunidos, de artistas e pesquisadores, contribuam para a reflexão sobre os percursos da luz em cena e sobre a formação de light designers nas escolas e nos grupos de teatro. Creio que cabe a nós escrever essa história.
Boa leitura!
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